quinta-feira, 27 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (11)


Valdomiro havia removido o canivete da ponta do cabo para a limpeza do peixe. Com o objeto na mão, com se fosse uma faca, apontou para Marcus dizendo:
- Sabe, Rapaz? Eu pensei exatamente a mesma coisa, no primeiro dia aqui. Em um dia eu desci e subi a estrada por onde você veio e a única coisa que vi foi morte. Depois eu fui “berando” esta praia pra lá (apontou para o sul) por uns dez dias, sem achar nada. Então voltei pra cá!
- E para o Norte? Questionou Marcus apontando o lado oposto. E para o Leste?
- Não vi qualquer razão em ir pra lá. Disse com um movimento do rosto, apontando para o norte com o queixo; depois mostrou o leste com o dedão para trás do corpo (estava de costas para a água); não nado tão bem para ir por aí, se você quer saber? Aqui é legal. Não faz tanto frio à noite e o Sol ainda não me deixou vermelho.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (10)


A fome consolidou em sua mente uma certeza prática. Naquele mundo varrido, não teriam o que comer. Levantou-se convicto de que a certeza de Valdomiro sobre a realidade daquele lugar o faria compreender a necessidade imediata de ação, não obstante a dor em seu coração. Aproximou-se do homem, imóvel a mirar o horizonte leste.
- Me perdoe. É difícil saber o que pensar de uma situação como a nossa. O que sei é que precisamos encontrar algo para comer, com urgência.
Não era capaz de imaginar por onde caminhavam os pensamos do homem da lança, o qual começou a falar:

terça-feira, 25 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (9)


Concentrados na imagem podiam perceber o movimento da sombra, garantia do movimento do próprio Sol no céu, por mais que a lentidão lhe fizesse parecer estático. Desaparecida a sombra, Valdomiro olhou para o Leste, e Marcus seguiu o exemplo. No espelho d’água, impecavelmente polido em decorrência da absoluta estática do ar foi possível notar alguma agitação, lá no extremo leste. Apenas uma suave e distante oscilação, perceptível por alterações nas tonalidades do azul, antes tão perfeitamente refletido do céu que era quase impossível perceber onde acabava a água. A imperfeição no espelho parecia se mover, como uma mancha que seguia para os lados e para o Oeste. Marcus então percebeu que a agitação na água se aproximava rapidamente. Era o Vento. Não parecia muito forte, pois abalava a água sem levantar ondas. Quando não existia mais espelho, apenas viva água em suas pequenas e quase infinitas ondulações, Marcus sentiu a brisa tocar seu rosto. A brisa começou a aumentar de intensidade, ainda que não se ampliasse a agitação na água. Nenhuma onda aconteceu quando o vento atingiu tamanha força que quase o desequilibrou. Valdomiro o cutucou e disse:

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (8)


Com um salto pra trás, enfiando-se na água até a cintura, protestou:
- O que é isto? Você enlouqueceu?
- Você tinha tanta certeza de que tudo aqui é um sonho que pensei que um beliscão não bastaria! E riu com uma mão na barriga como se fosse o maior, se não o último, comediante do planeta.
Ignorando qualquer possibilidade de graça naquela situação e decidido a abandonar imediatamente o homem da “lança”, Marcus pôs-se a caminhar para no Norte, andando paralelamente à estrada, ainda com os pés na água e os sapatos nas mãos. Tomando consciência de que sua ação não foi nada bem vinda, chamou:

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (7)


Marcus ficou aterrorizado. Jamais esteve em situação semelhante. Nunca fora sequer furtado. Temeu desesperadamente por sua vida. Não ousou desafiar a lamina, acusando-a de ilusória.
- Estou apenas caminhando. Não sigo ninguém. Nem imaginava existir alguém para seguir. Sentiu aumentar a pressão da fina ponta em sua nuca. Não percebeu, mas um filete de sangue escorreu até o colarinho de sua camisa cinza.
- Imaginava não existir alguém? E por que não haveria? Você está aqui, não está?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (6)


Permaneceu sentado por alguns minutos, refletindo sobre a situação. Movia o olhar para todos os lados, apreendendo os detalhes do ambiente. Detalhes demais. Não havia vento, mas percebia o calor do sol, o movimento do ar até seus pulmões, a textura de suas calças (enquanto se debruçava sobre os joelhos). Levantou e foi novamente até o corpo, seco e sem odor. Examinou sem tocar, em busca de uma bolsa ou algum volume que evidenciasse uma carteira. Nada! Não seria possível obter qualquer informação sobre aquela pessoa. Pendurado no pescoço do corpo, mas voltado às costas, não ao peito, havia uma pequena placa de metal, destas que se vê em soldados. Chegou mais perto para ver se poderia ler algo, mas apesar do imenso brilho da peça (parecia perfeitamente polida, sem qualquer evidência da passagem do tempo, como se observava no restante do corpo), nada estava escrito. Tomado pela raiva de retornar àquele lugar e sem qualquer compreensão do motivo, lançou bruscamente a perna em direção ao corpo, mas deteve-se antes de atingir o alvo. De algum modo sentiu que não seria justo destruir aquele corpo, símbolo da luta pelo direito de continuar existindo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (5)


Já com sono e com evidente dificuldade de seguir o raciocínio no médico, o homem da cama levantou o olhar para o relógio e descobriu que já se aproximavam das 22 horas. Retornando o olhar ao médico notou que seu cansaço o desapontava. Havia alguma tensão no olhar do médico, enquanto aguardava a sequência da conversa. Subitamente recordou suas palavras: “Nesta tarde você abriu os olhos pela primeira vez em quinze dias.”.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (4)


Ele levantou e encarou o homem da cama.
- Façamos o seguinte. Por que você não escolhe um nome temporário para você e outro para mim? Assim poderemos dar maior naturalidade para nossa conversa, sem comprometer o meu propósito de não lhe ENSINAR quem você é.
O homem da cama pareceu aceitar bem os esclarecimentos do médico, embora o frustrasse a idéia de estar a tanto tempo no hospital. Pensou um pouco e disse:

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (3)


- Não sou seu amigo! Estou falando com um estranho em um lugar estranho! Não espere paciência de minha parte!
- De modo algum somos estranhos! Você me conhece muito bem e já conversamos muito sobre muita coisa. Mas como não sou eu o foco principal desta conversa, diga-me, quem é você?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (2)


O homem o deixou sozinho no quarto por alguns minutos. Deitado ali, imóvel, só e repleto de dúvidas, pareceram horas. Os pensamentos lhe vinham em ondas volumosas, caóticas, dando a impressão de que não conseguia ler sua própria mente. Fechou os olhos, procurando recordar do deserto, mas este parecia cada vez mais distante, como um sonho sendo esquecido. Havia um relógio na parede imediatamente aos pés da cama. Não podia vê-lo, mas o movimento constante do ponteiro dos segundos, quase inaudível mesmo para quem se esforçasse para ouvi-lo, parecia a firme batida de tambor que ocorria nos antigos navios a remo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã

De perto pôde perceber que o estranho volume se tratava de um corpo, agarrado ao toco de metal de tal forma que ainda se podia perceber seu desespero pela vida. O corpo todo já estava ressecado como se estivesse a meses sob o sol escaldante daquele deserto de um dia só. O couro seco agarrado aos ossos e os trapos já desbotados davam aspecto de múmia ao defunto. Não fossem as informações recebidas de seu próprio labirinto juraria que o homem morto estava pendurado enquanto ele próprio caminharia na vertical. Esticou o braço e tocou o corpo no abdômen, levando o corpo a se afastar um pouco e retornar em seguida, balançando suavemente, sempre pendendo ao seu absurdo chão em algum lugar na direção do poente. Percebeu que no pescoço do homem havia um objeto metálico, o qual também “caía” para a direita do observador. Ficou se perguntando se não seria aquela a origem dos reflexos observados no dia anterior.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

#Vazio - Pela Manhã (3)


A luminosidade crescente permitiu-lhe perceber que estava a pouco menos de 10 metros da elevada formação rochosa que dava origem à serra. Era possível perceber que o aclive era acentuado, mas não chegava a ser um paredão, sendo possível a subida. Percebia que a montanha era muito mais alta do que previra, e que se estendia como uma muralha para o norte e para o sul, não sendo possível ver onde terminava. Tomado de novo ânimo, correu em frenesi o espaço que faltava, atingindo o sopé da montanha. Sem parar, iniciou a subida, na esperança de encontrar algo relacionado ao brilho visto no dia anterior.