Valdomiro começou a caminhar de volta para a estrada.
- O que vai fazer? Aquilo ainda deve estar lá, te esperando!
- Não podemos ficar aqui pra sempre, rapaz! Nem caminhar dentro da água o
tempo todo. E eu tenho que pegar a minha lança.
Marcus desistiu. Acompanhou devagar o guardião até a borda e o que viram
era quase indescritível. O negro sobre o negro tornava impossível enxergar a
parte da aranha que estava sobre a sombra caída no degrau inferior. Só era
possível saber que ainda estava lá porque seu corpo estava maior, permitindo
observar duas pernas para fora dos contornos da sombra morta e o tórax se
projetando para a área da ferida, como se comece a primeira ou se bebesse seu
sangue. Havia assumido a forma do primeiro corpo e já estava quase do tamanho
de um homem.
- Eu não quero ver como isto acaba! Disse Valdomiro, enquanto apanhava
sua lança do degrau superior e corria para a água.
Marcus à principio não compreendeu a ação do amigo, mas quando ele
mergulhou o canivete na água tudo fez sentido. O sangue negro parecia ferver em
contato com a água cristalina, gerando agitação e alguma fumaça branca. Logo em
seguida houve calmaria e a lamina estava completamente limpa. Começaram a
correr apressadamente para o Norte, olhando com frequência para trás e para os
patamares, sem saber por onde a Sombra viria, caso os seguisse.
Embora suspeitassem existir alguma proteção inexplicável na água,
preferiam permanecer pela borda, para ter uma idéia do que aconteceria com a
bizarra criatura. Não era uma coisa pela qual desejassem ser surpreendidos!
Depois de correr alguns minutos, reduzindo a sombra a um pequeno ponto ao Sul,
pararam para observá-la, uma vez que não os havia seguido. Ambos se agacharam
na borda; Marcus com o olhar fixo na mancha negra; Valdomiro examinando sua
lamina para garantir que não havia vestígio “daquilo”. Finalmente a coisa
começou a se mover. Colocou-se ereto, em uma posição que deixava fácil
discernir suas pernas e braços, estes desproporcionalmente maiores que aquelas.
Era impossível definir se estava de frente ou de costas, mas o ódio que emanava
de forma quase tangível sugeria que também olhava para eles! “Se você olhar
para a sombra, a sombra também olhará para você!”, pensou Valdomiro em voz
alta.
- Esta sombra assusta mais que qualquer abismo! Emendou Marcus, lembrando
que em algum lugar ouvira a mesma inferência direcionada ao “abismo.”
O poder da criatura sobre o intelecto dos observadores
era manifesto. Mesmo de longe, emitiu um urro que parecia ter sido produzido ao
pé do ouvido dos andarilhos, que caíram para trás aterrorizados. Viram a Sombra
saltar com facilidade para o nível em que se encontravam e iniciar sua
investida na direção dos dois! Nem o instinto primordial de autopreservação foi
capaz de mover as pernas daqueles dois. A coisa corria com o uso dos braços e
dar pernas, exatamente como faria um gorila, mas cada salto vencia com
facilidade não menos que três metros. O máximo que puderam fazer foi se
arrastar para o Leste, rumo à água. Valdomiro atingiu a água primeiro. A leveza
que a água conferiu aos corpos facilitou o movimento rumo ao fundo. Quando as
mãos não tocavam mais o solo, começaram a nadar. A água pareceu devolver-lhes
não apenas o vigor físico, mas sobretudo a determinação, assim, conseguiram
colocar-se em pé, percebendo que naquele ponto a água lhes atingia o peito.
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (24)
Nenhum comentário:
Postar um comentário