Carlos era cristão. Mais
especificamente, Católico. Não um destes “católicos não
praticantes”. Havia escolhido abraçar sua Fé, participar das
missas, grupos de oração, retiros, etc.
Havia aprendido este modo
de vida desde sua mais longínqua infância, observando a profunda
devoção de seus pais. Passou a adolescência envolvido em
movimentos da juventude cristã, casou-se com uma moça do mesmo
meio, constituiu uma família honrada. Com o tempo, porém, sua Fé
foi enfraquecendo. Sua convicção naquilo que escutava nas homilias
era minada pelo bombardeio de argumentações contrárias que recebia
em seu dia a dia. Deixou de ir à missa. Sua mulher sofreu, mas
respeitou. Com o decréscimo de Fé, minguou também a alegria. Não
sorria nas refeições. Não contava piadas no trabalho.
Certa tarde, coração
oprimido pela profunda depressão, sentou-se em um banco de praça.
Seu aspecto chamou a atença de um passante, um homem bem mais velho,
vestido elegantemente, que sentou ao seu lado e, sem qualquer
cerimônia, inquiriu:
- O que há meu jovem? Este tipo de lugar não combina com um semblante tão triste!
O aperto no coração
clamava pela oportunidade de desabafar. Carlos se abriu antes mesmo
de se apresentar:
- Sinto um buraco dentro de mim. Falta algo e não sei como reencontrá-lo!
- A melhor forma de reencontrar algo perdido é refazendo seus passos. Talvez possa identificar onde perdeu.
- Acho que perdi a mim mesmo. Estou perdendo minha Fé.
- Fé em você?
- Fé em Deus.
- Isto é muito triste. Você consegue identificar o motivo?
- O mundo. As coisas que vejo por aí são muito diferentes das coisas que aprendo na igreja. As coisas que escuto criam muitas dúvidas sobre o que havia aprendido.
- Sabe, meus muitos anos de vida me ensinaram que as dúvidas sobre algo estão quase sempre associadas ao fato de não termos aprendido adequadamente aquilo.
- O que quer dizer?
- Será que suas dúvidas sobre sua Fé não são originadas por uma má compreensão da mesma?
- Acho que não. Eu nunca perdia uma missa. Acho que rezava mais que o padre.
O homem riu. O celular de
Carlos soou.
- Desculpe, nem me apresentei. Sou Carlos. Como o senhor se chama?
- Eu me chamo Wagner.
- Obrigado pelo seu tempo, Wagner. Agora preciso correr. Minha patroa está pedindo que compre algumas coisas.
- Tudo bem. Vai em paz!
Carlos seguiu, ainda
cheio de dúvidas, mas com algum alívio por ter desabafado com
alguém. Nos dias que seguiram, retornava do trabalho e passava pela
praça com alguma esperança de encontrar Wagner e seguir com o
diálogo, mas ele nunca estava lá. Já depois de um mês, quando nem
se lembrava mais do inusitado novo amigo, viu-o sentado no mesmo
banco folheando um livro amarelo.
- Boa tarde. Tudo bem com o senhor?
- Sim, claro. Tudo sempre muito bem. E com você?
- Como sempre, um tanto perdido.
- Estava lendo algo que queria que desse uma olhada.
- O que seria?
Wagner mostrou a capa do
livro, o “Catecismo da Igreja Católica”.
- O que acha de estudarmos isto?
Carlos achou estranha a
proposta, sobretudo em função da grossura do volume. Não gostava
de ler. Todas as tarde encontrava Wagner na praça, que o esperava
com algum trecho sublinhado no catecismo. Liam, refletiam, debatiam.
Carlos descobria coisas sobre a própria religião que nem imaginava.
Como o tempo Wagner ia introduzindo outros textos, passagens de Santo
Agostinho, São Tomás de Aquino, Martinho Lutero e até mesmo de
Calvino. Carlos começou a ansiar pelos encontros. Também
desenvolveu o hábito de adquirir as obras apontadas por Wagner,
devorando-as sempre que tinha algum tempo livre. E certo momento, era
ela quem trazia trechos separados e os apresentava para Wagner,
oferecendo uma rica reflexão sobre o conteúdo. Em casa, a esposa se
espantava com a mudança no comportamento do marido, o qual
recuperava a alegria, além de voltar a frequentar as missas. No
trabalho, os argumentos maldosos de alguns colegas já não mais o
perturbavam, pois agora era proprietário de sólidas convicções e,
sobretudo, da serenidade de saber que sua Fé era uma aposta sua,
assim como as objeções eram apostas dos outros. As pessoas
começaram a procurar Carlos em busca de aconselhamento, finalmente,
foi convidado pelo padre a liderar um grupo de estudos e realizar
palestras sobre a Fé Católica. Orgulhoso, Carlos ansiou pelo
próximo encontro com Wagner, desejando convidar o amigo para o
evento que, de algum modo, coroava o processo iniciado por ele.
- Me desculpe, meu amigo, mas não poderei estar presente.
- Por que?
- Eu não acredito em sua divindade.
- Como isto é possível? Logo você que se esforçou tanto para restaurar a minha Fé.
Wagner olhou para o céu.
Parecia em outro mundo. Refletia consigo mesmo, escolhendo a melhor
forma de colocar seus pensamentos. Não parecia preocupado:
- Veja, meu jovem amigo.
Eu conheci muitas religiões, tendo aprendido muita coisa com todas
elas; o que mais me marcou durante este processo foi a grande
distância que muitos crentes colocam entre suas divindades e as
pessoas. Afirmam amar suas divindades, mas não amam seu próximo.
Vivem como se suas divindades não existissem, ainda que anunciem sua
Fé aos quatro ventos. Quando te vi naquele dia, vi um próximo que
precisava de apoio. O declínio de sua Fé estava esmagando seu
coração; o que eu teria feito por você, se sentasse aqui
ratificando minha descrença? Pelo seu bem e mesmo pelo meu bem,
imperava que eu o auxiliasse a desfazer a visão incorreta que você
tinha acerca da sua crença. Hoje você compreende que a Fé não
resiste à ignorância. Nunca pode ser superficial. Apenas com as
duas pernas, a da Fé e a do Conhecimento, um ser humano pode ser
verdadeiramente pleno.
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