sexta-feira, 3 de junho de 2022

#Verborragia: Honestidade

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!). A palavra de hoje é "Honestidade". As circunstâncias da escolha convertem esta Verborragia particular em um casal de gêmeos. A mesma palavra gerou uma reflexão em 19/05.

"Quem é ela?"

"Uma amiga!"

"SEI!"

"Se não pretende acreditar na resposta por que pergunta?"

"Pra te dar a chance de ser honesto."

"EU NÃO SOU HONESTO!"

Era a derradeira de intermináveis discussões. A admissão do não "ser honesto" foi recebida com um "quê" de satisfação, quase deleite. Era a coroa de um longo processo de desconfiança, dúvidas, conflitos, etc. A descoberta da "infidelidade" era quase desejada.

Amanda, a amiga, era uma moça de olhar sereno, gostava de ouvir e dava bons conselhos: tornou-se rapidamente próxima de Carlos. Naquele dia ele iria encontrar Samantha, ex-namorada em alguns instantes, em uma lanchonete cujas esfirras eram apreciadas por ambos. O caminho para o local ficava na direção da casa de Amanda, assim, decidiu-se aproveitar para apresentar as moças. Samantha conhecia (e detestava) Amanda apenas pelos relatos de amizade de Carlos; "intuía" (e Carlos dava um tapa na testa cada vez que escutava a balela) que coisa boa não era; não esperou no local combinado, deslocando-se até a estação de trem da qual viria Carlos. Ali observou a saída do rapaz acompanhando pela moça, iniciando o escrutínio aqui descrito.

"Li em algum lugar que 'Honestidade' não é coisa para ser, mas sim para buscar.", disse Carlos à Amanda no dia seguinte. Almoçavam juntos quase sempre.

"Me parece um problema você não ser honesto."

"Quase todo mundo que anuncia ser, não é. Quem não fala, busca. Tenho esperança nisso."

"Faz sentido."

Faz sentido pra mim também."; Riram.

Samantha seguiu a vida. A "Descoberta" foi libertadora; rompeu limitações autoimpostas e proporcionou coragem para novos passos na vida. Em algum canto do coração guardava a amargura pela traição supostamente sofrida, ao mesmo tempo que reforçava em si a convicção de procurar ser melhor que ele. Desejava, com toda a força, buscar Honestidade em si mais que nos outros. Namorou Cleber, Wilson e João. Decidiu que era mais feliz sozinha. Ficou com outros sem aceitar namoro. Se fechava conforme parecia se abrir.

A amizade entre Amanda e Carlos cresceu e floresceu. Carlos se tornou quase irmão de Igor, aquele que em seguida seria marido de Amanda. Antes desta "fraternidade", porém, veio o confronto:

"O que você quer com ela, parceiro?", protestou Igor, mais em autodefesa que em real agressão.

"Juro que não sei. O que você quer com ela?"

"Quero ser feliz."

"Então seja. Não estou aqui pra isso."

"Pra que então?"

"Sei lá. Observar a paisagem."

Igor ficou confuso por uns instantes, depois riu. A conversa foi no trem. Carlos já nem olhava mais pra ele. A sensação de ameaça passou.

"Tenho medo. Sinto que ela está distante. Sinto que a estou perdendo."

O olhar de Carlos voltou para a Terra.

"Você é honesto?"

"Não posso. Ela me disse que não podemos ser isso."

"Então vocês estão no caminho certo. Apenas diga pra ela o que sente. Você pode ser forte aqui fora. Não seja forte com ela. Seja você."

Carlos sempre almoçava com Amanda. Sempre pegava o trem com Igor.

Naquela tarde ela não veio para o almoço.

Naquela manhã Igor apertou sua mão com mais força.

"Homem não chora. Mas se chorasse eu teria dito que chorei ontem."

Carlos só riu; "Agora a gente ri juntos, parceiro!"

Igor sorriu.

Este não explicou o desfecho da história; aquele não questionou. Um acordo tácito de que as coisas seguiam, potencialmente, bem.

"Honestamente, ela falava tão bem de você que eu tive medo."

"Honestamente?", Carlos riu de novo. Depois seguiu "Honestamente sua ameaça nunca poderei ser eu, ou qualquer outro. Sua ameaça é você. Você não pode perde-la para outro, mas pode perdê-la por si mesmo."

"Acho que entendo."

Os dias seguiram sem grandes variações. Dias viraram meses, que viraram anos.

Certa feita Amanda e Camila estavam sentadas em espreguiçadeiras vendo as crianças brincando no quintal. Na cozinha os maridos, Carlos e Igor, lutavam contra a peça de cupim que prometeram preparar sem intervenção feminina.

"E então meu amigo. Parceiro. Achou?"

"O que? O sal? Está bem aí."

Igor riu e insistiu "Não. A Honestidade!"

Carlos ficou pensativo. Enquanto descascava o alho espremia memórias. A janela sobre a pia da cozinha dava vista para as moças e as crianças.

"Querida!" falou alto, mas carinhosamente. Sem gritar. 

Camila apenas olhou de volta. Dois olhares cruzados e nada mais existia.

"Encontramos a Honestidade?"

Ela sorriu! Uma mistura de satisfação, deboche, certeza e propriedade. Uma estátua destas que seriam utilizadas para descrever rainhas magnificas em contos de fantasia medieval; "Lúthien Tinúviel" seria seu nome; O vento soprou o cabelo para frente do rosto e aquela imagem foi a coisa mais amada do mundo; O olhar dela apenas retornou às crianças, enquanto mãos delicadas afastavam as mechas voadoras.

Igor não perguntou mais nada.

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