As especulações sobre nuvens, ventos e chuvas foram abruptamente caladas
por um evento igualmente mudo, mas bastante significativo. As setas deixaram de
ocorrer, surgindo então no caminho um traçado em forma de cruz. Uma grande
linha de quase dois metros fazia o papel dos “braços” estendendo-se no sentido
Norte Sul. A outra, de pouco mais de três metros, ia do Leste para o Oeste, com
a parte mais longa para este. Ali era, nitidamente, o termo das setas, já que
mais nenhuma aparecia até onde a vista alcançava.
- Isto deve significar algo?
- Rapaz, espero que não signifique o nosso enterro!
Marcus varreu os arredores com o olhar, mas não encontrou nada diferente
na paisagem. Nada que indicasse um novo caminho ou a presença do criador
daquela cruz. Ficou se perguntando não poderia ter sido levado pelo vento. Desejou
ter as habilidades dos exploradores que via em filmes, para poder determinar a
quanto tempo as marcas haviam sido realizadas. Valdomiro, sempre surpreendente,
abaixou-se e passou os dedos no eixo da cruz. Mostrou para Marcus o indicador
tingido do pó cinza proveniente da raspagem daquela rocha.
- Isto é recente. Sem água para grudar este pó no chão, o vento teria
limpado tudo isto aqui. Alguém vem com frequência reforçar estes riscos.
- E continuarei vindo, mesmo depois que vocês partirem!
A voz estranha, vinda de algum lugar no abismo disparou o coração dos
dois andarilhos. Viraram-se rapidamente e recuaram, mergulhando cada qual um
dos pés na água. O guardião segurava firme a lança nas duas mãos. Marcus cerrava
os punhos. Como se fosse ele mesmo um personagem dos filmes assistidos por
Marcus, Valdomiro deu um passo à frente e libertou a voz com vigor:
- Alto! Quem vem lá?
Do abismo, indiferente e misteriosa, a voz masculina seguia:
- Ora! “Quem vem lá deve” deve ser esclarecido por quem pergunta! Pois
quem pergunta é que vem! Eu sempre estive! E ainda estarei depois que tiverem
partido! Eu sempre estive!
Frustrado e impaciente, o Guardião seguiu:
- Não tenho tempo para brincar com palavras! Eu sou o Guardião da
Muralha!
Do abismo vieram apenas risadas, enfurecendo ainda mais o homem da lança.
- Apresente-se! Insistiu.
- Isto muda muito as coisas, pois se não posso dizer quem vem lá, uma vez
que não conheço quem vem lá, sou o maior conhecedor, entre todos os mortais, de
quem é este ao qual solicitas apresentação! Por isto mesmo, sou eu o mais
indicado para apresentar-me! No batismo chamaram-me Peregrino. Este nome
penetrou fundo em meu sangue, tornando-me também peregrino na vida, nas
palavras e na fé. Eu sou aquele que não poderá dizer para onde caminham, mas
trago a verdade do motivo da caminhada.
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (5)
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