segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

#Vazio - A Fome das Sombras (5)


Enquanto concluía a última frase, o homem que falava do abismo ergueu-se, caminhando em direção aos dois que lhe eram estranhos. Parecia erguer-se sobre eles como uma onda, pois sua estatura era desconcertante. O homem trajava um grande manto que mais parecia um cobertor jogado sobre seu corpo. Era magro e calvo, com o maxilar desenvolvido de forma desproporcional ao restante da cabeça. Andava com dificuldade, apoiando-se sobre um pesado pedaço de madeira que utilizava como cajado. A estatura do homem, que beirava os três metros de altura, fazia Marcus pensar se não seria aquele cajado o tronco inteiro de uma árvore, arrancado de suas raízes com um só golpe e esvaziado de seus galhos com o segundo. Apesar da dificuldade em caminhar, não aparentava idade.
Não parecia estar nem perto dos trinta anos. O gigante interrompeu seus passos a meio caminho do outros, apoiando-se com as duas mãos no cajado enquanto procurava recuperar o fôlego. Aparentemente, aqueles poucos passos eram para ele um imenso esforço. Tentando recuperar a solenidade, endireitou-se e inquiriu:
- Agora, como é de meu direito, faço eu a pergunta que de inicio foi-me usurpada. Alto! Quem vem lá?
Marcus não pode conter a risada, pois achava um tanto cômica toda aquela situação, sobretudo a forma de falar do estranho à sua frente. O gigante, por sua vez, não pareceu incomodado com o riso, supondo que o tenha percebido. Valdomiro julgou que o homem, apesar do tamanho, não representava perigo. Em seus incontáveis anos como porteiro, sempre investigando silenciosamente quem entrava e quem saia, adquiriu a capacidade quase metafísica de perceber as intenções que as pessoas escondiam em seu intimo. Raramente errava. Segurou a lança então com apenas uma mão e em seguida inverteu seu balanço, levando a ponta afiada ao solo. O gigante interpretou aquele gesto como um sinal de paz, como se visse o guardião desarmando-se.
- Eu sou Valdomiro! O Guardião da Muralha! Este é Marcus, o guardião do guardião.
Marcus riu da segunda parte. A primeira parecia incomodar o gigante.
- Meu bom amigo! Uma vez que tenha decido conferir a mim, de bom grado, a sua maior riqueza, seu próprio nome, tomo a liberdade de chamá-lo “Meu bom amigo”. Mas, sendo eu agora um amigo, tenho o dever fraterno de ser-lhe sincero, e sendo-o, digo que não julgo oportuno vosso título.
Valdomiro entendeu claramente o “Meu bom amigo”, nada mais. Esperou que o gigante continuasse o comentário sobre o “título”, apenas para retrucar que não participava de eleições havia muito tempo.
- Observe o poder e imponência desta formação geográfica a qual denomina “Muralha”. Note então que não necessita de guarda, parecendo a mim que é você quem precisa ser guardado. Se, por outro lado, denomina-se “guardião” por defender quem passa por ela, então temos aí novo equivoco, já que em extensão ela supera, creio, uma vida de tua lenta caminhada, não sendo possível a você assistir quem por ela passa em toda a área que excede a ínfima fração que você pode cobrir. Finalmente, e espero que nisto não se ofenda, não o julgo capaz de guardar nem tuas adjacências, caso por elas tente passar tudo o que tenho visto passar.

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