Tinha plena consciência tanto do objeto ao qual desejava remeter quanto da
posse de seu nome, mas naquele momento crucial, o nome se escondida em algum
canto de seu espírito. Semanas depois o nome brotou-lhe da alma, como se fosse
novo, mas revestido da frustrante certeza de que sempre estivera lá. Lembrou-se
da palavra “engrenagem” por conta destes eventos, pois eram análogos ao que
experimentava ali, sozinho no escuro. Por um momento sentiu-se possuidor de
todos os mistérios, conhecedor da causa primeira e do motivo último. Por um
breve momento soube. Mas o momento passou. Restava apenas uma sombra. Algum
tipo inexplicável de certeza de que havia tocado uma verdade, mas a verdade em
si, ignorava. Se dominasse o próprio corpo teria suspirado, mas nem isto lhe
foi permitido.
Voltou a sentir o “para baixo”, percebendo-se deitado. No meio das trevas
viu uma claridade brotar; suspeitou que fossem seus olhos se abrindo. Quando os
abriu completamente notou que estava nu, deitado de barriga para cima olhando a
névoa cinzenta que escondia o céu. As costas estavam mergulhadas água imóvel do
oceano, em área tão rasa que não lhe atingiam as orelhas. Com grande esforço se
sentou. No leste frágil ponto de luz lutava para atravessar a névoa. Era o Sol
nascente, quase invisível. A água ao seu redor estava levemente tingida de
vermelho, manchada pelo sangue que lhe havia brotado das costas e pernas. Os
ferimentos já não sangravam mais, mas a ausência de movimento na água retardava
a dispersão completa da área avermelhada. Com os braços agitou a água
adjacente, esperando que com a mancha desaparecesse também a dor.
- Esta foi por pouco hein?
Virou-se e viu que era Valdomiro quem falava, em pé sobre a estrada, com
sua lança sempre em mãos. O guardião da muralha também fora seu próprio
guardião. O que restava de suas roupas rasgadas estava sobre uma área rochosa, quase
secas e parcialmente limpas.
- O que foi aquilo?
- Nunca vi uma coisa destas, Rapaz! Deviam ser demônios devorando o que
sobrou neste mundo esquecido. Mas nunca havia acontecido, desde que cheguei
aqui. Como você se sente?
- Como se tivesse lavado as costas com uma escova de aço!
- O que vamos fazer agora?
- Vamos continuar andando. Tem que ter um jeito de ir para o Leste!
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (2)
- Vamos continuar andando. Tem que ter um jeito de ir para o Leste!
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (2)
Nenhum comentário:
Postar um comentário