sábado, 10 de dezembro de 2011

#Vazio - A Fome das Sombras (4)


As especulações sobre nuvens, ventos e chuvas foram abruptamente caladas por um evento igualmente mudo, mas bastante significativo. As setas deixaram de ocorrer, surgindo então no caminho um traçado em forma de cruz. Uma grande linha de quase dois metros fazia o papel dos “braços” estendendo-se no sentido Norte Sul. A outra, de pouco mais de três metros, ia do Leste para o Oeste, com a parte mais longa para este. Ali era, nitidamente, o termo das setas, já que mais nenhuma aparecia até onde a vista alcançava.

- Isto deve significar algo?
- Rapaz, espero que não signifique o nosso enterro!
Marcus varreu os arredores com o olhar, mas não encontrou nada diferente na paisagem. Nada que indicasse um novo caminho ou a presença do criador daquela cruz. Ficou se perguntando não poderia ter sido levado pelo vento. Desejou ter as habilidades dos exploradores que via em filmes, para poder determinar a quanto tempo as marcas haviam sido realizadas. Valdomiro, sempre surpreendente, abaixou-se e passou os dedos no eixo da cruz. Mostrou para Marcus o indicador tingido do pó cinza proveniente da raspagem daquela rocha.
- Isto é recente. Sem água para grudar este pó no chão, o vento teria limpado tudo isto aqui. Alguém vem com frequência reforçar estes riscos.
- E continuarei vindo, mesmo depois que vocês partirem!
A voz estranha, vinda de algum lugar no abismo disparou o coração dos dois andarilhos. Viraram-se rapidamente e recuaram, mergulhando cada qual um dos pés na água. O guardião segurava firme a lança nas duas mãos. Marcus cerrava os punhos. Como se fosse ele mesmo um personagem dos filmes assistidos por Marcus, Valdomiro deu um passo à frente e libertou a voz com vigor:
- Alto! Quem vem lá?
Do abismo, indiferente e misteriosa, a voz masculina seguia:
- Ora! “Quem vem lá deve” deve ser esclarecido por quem pergunta! Pois quem pergunta é que vem! Eu sempre estive! E ainda estarei depois que tiverem partido! Eu sempre estive!
Frustrado e impaciente, o Guardião seguiu:
- Não tenho tempo para brincar com palavras! Eu sou o Guardião da Muralha!
Do abismo vieram apenas risadas, enfurecendo ainda mais o homem da lança.
- Apresente-se! Insistiu.
- Isto muda muito as coisas, pois se não posso dizer quem vem lá, uma vez que não conheço quem vem lá, sou o maior conhecedor, entre todos os mortais, de quem é este ao qual solicitas apresentação! Por isto mesmo, sou eu o mais indicado para apresentar-me! No batismo chamaram-me Peregrino. Este nome penetrou fundo em meu sangue, tornando-me também peregrino na vida, nas palavras e na fé. Eu sou aquele que não poderá dizer para onde caminham, mas trago a verdade do motivo da caminhada.

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