quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (19)


- Então sou um poeta?
- Começo a duvidar de que esteja levando a sério esta nossa conversa?
- Pelo contrário. Estou achando tudo isto muito interessante!
- O fato é que não se tem omeletes sem quebrar os ovos! Você é, digamos, uma criança que ignora o sabor da omelete! Eu também! A única diferença entre nós é que você está quebrando os ovos.
- Gostei disto!
- Eu também!

Agora foi Marcus quem riu.
- Não ria! Estamos aqui em um processo no qual nós dois estamos tentado aprender algo. Boa parte do que eu te disse eu criei, ou aprendi, no exato momento em que conversamos.
Um bip interrompeu a conversa. Marcus esperou que o médico sacasse de um suporte no cinto um daqueles velhos bips que via na televisão, mas do bolso veio um pequeno celular.
- Ora bolas, como o tempo voa não? Tenho outros para visitar. Logo virá o seu almoço. Vou ver se incluo omelete em seu cardápio. Volto no início da tarde.
- Até logo doutor.
Com metade do corpo já fora do quarto o médico emitiu um último comentário:
- Se for possível evitar a sesta, eu ficaria imensamente agradecido.
Marcus ficou rindo sozinho no quarto. Esticou os braços e pernas, espreguiçando-se. O movimento lhe imprimiu forte dor nas costas e pernas, dando a impressão de que os ferimentos estavam prestes a reabrir, mas o prazer de gratidão emitido pelos seus músculos compensava aquilo. Levantou e voltou para a janela. Parecia olhar o movimento lá fora, mas era para seu próprio interior que seu olhar se voltava. Ainda não estava preparado para simplesmente assumir aquele quarto como realidade concreta, muito menos rotular o deserto como ilusório, mas o fato é que a conversa com o médico faria sentido em qualquer um daqueles mundos.
Começou a desejar a sesta desencorajada pelo médico, questionando-se se seria um portal para o deserto. Temia o estado em que seu corpo pudesse estar, mas a curiosidade por compreender melhor a tal “omelete” fazia sua mente se expandir. Infinitas possibilidades se debatiam em sua cabeça como um imenso cardume em rede recém puxada. “Preciso chegar ao Leste!”, repetia para si, “Preciso chegar ao Leste!”.

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