- Não sou seu amigo! Estou falando com um estranho em um lugar estranho! Não
espere paciência de minha parte!
- De modo algum somos estranhos! Você me conhece muito bem e já
conversamos muito sobre muita coisa. Mas como não sou eu o foco principal desta
conversa, diga-me, quem é você?
A pergunta veio como um raio partindo em duas partes a cabeça do homem da
cama. Tinha lembranças nítidas de toda a tarde no hospital e do dia anterior,
no deserto. Lembrava, sobretudo, de ter acordado, na manhã anterior e percebido
que estava só no quarto. Procurava por alguém e chamou esta pessoa, mas ninguém
respondeu. Perturbou-lhe perceber que não lembrava por qual nome chamou. Aniquilou-o
descobrir que não recordava o próprio nome. Olhou para o homem de barba, quase
pedindo socorro. Um “QUEM SOU EU?” silencioso. Adivinhando a questão do
paciente mas indiferente à sua agonia, seguiu com o inquérito:
- Você sabe ao menos como chegou aqui, ou por que?
O homem da cama olhava para baixo, na direção do lençol sobre suas
pernas, mas na verdade era para seu espírito que olhava, em busca de alguma
lembrança que solucionasse as perguntas do médico e as suas próprias. Nada
encontrou. Procurando reorganizar-se, questionou:
- Pode me dizer meu nome? Tudo se foi.
- Posso! Afirmou o homem da barba, e acrescentou. Posso, mas não vou! Por
favor, me compreenda. Estamos aqui em uma situação muito delicada. Você
apresenta este quadro de perda de memória desde que chegou aqui. Prefiro não te
dizer seu nome, pois eu não quero que você APRENDA quem você é. Meu desejo é
que você RECORDE!
O homem que viu o mundo ser soprado para o Oeste numa manhã e ser
reconstruído à partir de uma pequena lanterna nas mãos de desconhecido barbudo
não sabia mais o que pensar. Sofrera um acidente seguido de amnésia? Estaria
morto, falando com algum tipo de espírito ou até mesmo Deus? Sendo um homem cético,
duvidou da segunda hipótese, pensou que seria cômico efetuar um questionamento
deste tipo, assim, optou pelo trivial:
- Isto aqui é um hospital? Você é médico? Qual o seu nome? Por que não
usa crachá?
Sorrindo, respondeu o homem de branco:
- Esta é nossa quarta conversa, pois apenas quatro vezes te vi acordado. Nesta
tarde você abriu os olhos pela primeira vez em quinze dias. Da mesma forma que
não te disse seu nome também prefiro não dizer o meu. Tenho esperança que
recorde de nossos encontros anteriores, no lugar de me conhecer de novo agora. Se
me permite adiantar o assunto, eu sei para onde esta conversa nos levará,
assim, algumas perguntas que você já me fez eu prefiro responder de imediato,
para não desperdiçarmos tempo caminhado por onde já fomos. Eu não sou Deus,
tampouco um espírito. Você não está morto. Este hospital é tão real quanto
qualquer outra coisa que você tenha tocado em sua vida e o meu crachá ficou na
gaveta, para que você não viesse a ler meu nome.
Continua em #Vazio - Outra Manhã (4)
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