quinta-feira, 29 de setembro de 2011

#Vazio - Pela Manhã (2)


Em poucos minutos tudo o que sabia sobre o mundo estava aniquilado. Aquele insensato vendaval havia desintegrado casas e prédios, indiferente até ao aço no interior de suas estruturas. Era impossível imaginar que um dia existira cidade por ali. Terra seca, fofa e vermelha era o que se via para qualquer lado que se olhasse; até o asfalto fora arrancado do chão, exceto duas pequenas placas na exata forma de seus sapatos; duas pegadas negras eternizando o local exato onde ele estava quando tudo se foi. Incrédulo, girava ao redor do próprio eixo, examinando o mundo em todas as direções.
Altos e baixos, pequenos montes e vales nas regiões mais próximas e uma imensa serra no limiar do horizonte, ao leste. Tudo pintado em variações de vermelho, marrom e cinza. Admirando aquele relevo conseguia adivinhar a localização dos bairros da cidade, algumas áreas nobres e altas, outras regiões humildes em vales. Ali, sozinho em um mundo vazio olhou as horas. Afastou bruscamente o relógio do olhar, pensando consigo:
“Já passa da uma hora da tarde; que diferença isto faz? Para nada mais estou atrasado, tampouco adiantado. Para nada mais.”
Decepção e lástima em sua mente. O corpo já cobrava o almoço mas, mergulhado que estava naquele oceano de eventos, não se dava conta. Piscou uma vez. Piscou novamente. De constas ao Sol, o qual já iniciava sua jornada rumo ao Oeste, notou que um brilho, um reflexo, vinha da serra, inalcançável, no Leste. Piscava descompassadamente, como alguma tentativa precária de sinalização ou simplesmente algum objeto metálico ao vento. Sem qualquer motivo para seguir em qualquer outra direção, pôs se a caminhar rumo ao brilho. O calor de uma tarde inteira caminhando sob um céu isento de nuvens fez com que questionasse sua decisão. No fim percebeu que não importaria se tivesse tomado outra direção ou se tivesse apenas parado e esperado, “sabe-se lá pelo que”, o calor, a sede e a fome o estariam castigando em igual medida!
Não olhou mais para o relógio, enquanto seus passos cansados o levavam cada vez mais ao leste. Sua própria sombra se esticava uns 10 metros à frente, enquanto o Sol se preparava para mergulhar no horizonte oposto. A paisagem, porém, não mudara. Horas de caminhada e a serra não parecia um centímetro mais próxima. Aquele distante e minúsculo farol que o instigara a esta jornada já não mais se apresentava:
“Se eu não encontrar rapidamente algo para beber e comer, logo estarei desejando ter seguido para onde foram os prédios.”
Não era médico nem biólogo, mas não precisava ser muito esperto para adivinhar que seu corpo não aguentaria mais um dia daquela marcha. Com a noite o mundo desapareceu. Sem luar, não enxergava um palmo diante do nariz, porém, no céu assistiu a um verdadeiro milagre. Contemplou a corrente eterna de estrelas que dá sentido ao título “Via Láctea”. Incontáveis estrelas que lhe eram desconhecidas, ofuscadas que eram pelas luzes da cidade que nunca dormia. Reanimado pelo espetáculo decidiu que não interromperia a marcha durante toda a noite. Sabia que sua sobrevivência dependeria de alcançar a serra antes do amanhecer. Embora nunca tivesse feito uma grande viagem ou aventura, havia aprendido sobre constelações. Era totalmente incapaz de lembrar quando e como, em sua distante infância, havia recebido este tipo de informação, mas não importava. Ele sabia ver as constelações. Isto garantiu que não andasse em círculos. O frescor da noite permitiu que acelerasse o passo. Em alguns pontos a terra era mais fofa, às vezes até arenosa, mas quando estava sobre solo firme ensaiava até pequenas corridas, conforme permitia seu corpo de homem da cidade. Depois que todas as constelações que ele conhecia já haviam concluído sua lenta marcha rumo ao oeste, o céu à sua frente começou a manchar-se de vermelho, anunciando a chegada do novo dia.

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