- Chega rapaz. Precisamos dormir.
Marcus não insistiu. Voltou para o degrau e entregou-se ao cansaço. Tanto
o sono quanto a idéia de que a própria Sombra o despertaria à distância
facilitaram o fim daquela vigília. Seus olhos se fecharam no deserto e se
abriram no escuro quarto hospitalar; foi simples como trocar de canal em uma
televisão.
O relógio da parede, iluminado pela fraca claridade que vinha do
corredor pela pequena janela da porta, marcava duas horas. Seria uma longa
madrugada, certamente sem qualquer debate existencial com o médico sem nome. O
homem de avental se levantou com os ossos a estalar. Espiou o corredor através
do retângulo, certificando-se que não havia sombra por ali. Pelo menos nenhuma
que pudesse atacá-lo. Um rosto estranho apareceu em frente à porta. Marcus
recuou e a pessoa, provavelmente um enfermeiro de plantão, entrou apreensiva,
questionando antes mesmo que seu corpo terminasse de cruzar o limite invisível
do batente.
- Está tudo bem? O senhor precisa de algo?
- Sim, sim. Tudo bem. Apenas estou sem sono.
O estranho acendeu a luz e ficou olhando para Marcus, sem ter certeza do
que dizer ou fazer. Com a claridade Marcus percebeu que seu caderno estava
caído no chão, ao lado da cama. Não havia sinal da caneta. Pegou o caderno e o
colocou sobre o sofá no qual o Dr. Willian costumava se sentar.
- Você sabe por que estou aqui?
A pergunta parecia desconexa para o jovem enfermeiro, que não soube o que
responder.
- O Dr Willian está tentando me provar que você existe.
Aquilo deixou o rapaz realmente perdido. Marcus então se lembrou que
ignorava o nome do médico.
- Me desculpe. O médico que me visita durante o dia pediu que escolhesse
um nome para ele, por isso o chamo de Dr. Willian.
- Tudo bem. O senhor não me deve explicações. Mas preciso pedir que se
mantenha em seu leito.
- Ok! Não quero criar problemas para ninguém. Você sabe algo sobre mim ou
o meu estado?
Marcus esperava que fosse normal, em um hospital, que todos os
funcionários de um determinado setor soubessem tudo sobre os pacientes dele,
mas o enfermeiro frustrou suas expectativas balançando a cabeça em sinal de
negação. Retornou à cama, atendendo ao pedido do rapaz, o qual questionou se
preferia que a luz ficasse acesa.
- Pode apagar. Já estive em lugares bem mais escuros.
Continua #Vazio - A Fome das Sombras (30)
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