Foi assim, repentino como um
espirro. Toda a existência se interrompeu. Não havia movimento, luz, trevas,
som, silêncio, tempo … Imobilizou-se. Olhar fixo num ponto. Nada de especial.
Uma mancha na parede. Umidade? mão suja? Poeira? não importava.
Não refletia sobre a origem
da mancha, não refletia sobre a mancha, sequer percebia a presença da mancha.
Apenas parou. Algo estalou em sua mente. Ao estalo seguiu-se uma fissura, a
qual se abriu numa rachadura, depois outra, estilhaçando todo o alto da cabeça.
Uma explosão de cacos em todas as direções. Rosto intacto. Corpo intacto. O
alto da cabeça aberto. Nada dentro. Mas naquele cenário o que seria “dentro”?
Como definir o limite do “para o fora”? Aberta ao todo, era o todo. Foi um
oceano entrando na gota. A explosão era, de fato, implosão, de modo que o
universo inteiro condensou-se no ponto do “eu”. Teve pena dos deuses, pois
jamais teriam a oportunidade de descobrir aquilo que descobria naquele
instante. Aquele que sempre tem jamais conhecerá a gloria de conquistar.
Ouviu música. Um canto
distante. Anjos? Musas? Não era possível definir, assim como não poderia
reconhecer o sono, originalidade em sua manifestação mais profunda.
Apaixonou-se! Não pela música, não pelo oceano, não pelo momento, mas pelo
todo, ondas, peixes, dióxido de carbono, plâncton, Marisa Monte, pimenta, ferrugem…
Apaixonado, percebeu que deveria perder. Apaixonado, não podia reter para si o
todo que existia para o todo. Todo que ia muito além de galáxias, matéria
escura, gravidade, luz. Todo que ia até a irmã, o filho, o estranho no metrô.
Apaixonado pelo todo, amou mais ainda o único que seria capaz de amar como ele:
o outro. Qualquer outro. Todos os outros. Por amor a estes, rompeu com o todo
pelo qual se apaixonara. Decidido a levar até lá tantos quanto pudesse,
retornou. O oceano desprendeu-se da gota. A mente, novamente fechada,
mergulhava em saudade. Levantou suspirando, analisando o redor, procurando o
ponto e a atitude que o levara ao oceano. Falhou. Não voltou. No mesmo instante
uma criança abraçou sua perna. Sorriu. Tomou-a no colo. Contou uma história.
“Sobre o que vai ser esta história, pai?” “Vamos falar sobre o oceano, meu
pequeno!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário