sexta-feira, 9 de setembro de 2022

#Verborragia: Lubrificante

 Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz! ).  A palavra de hoje é #Lubrificante. Não posso negar desconforto com essa. Quase troquei. Mas bora lá (Leia Honestidade)

Wilson trabalhava de domingo a domingo, rejeitando qualquer oportunidade de folga; abraçando qualquer serviço adicional que aparecesse.

Não era inclinado ao "termino amanhã", assim, não era raro sair do trabalho 23h, meia noite, quase uma da manhã. Eventualmente encontrava o Waltão -conhecido de muitos anos, embora não amigo próximo - saindo do trabalho; Walter era funcionário do bar no qual Wilson nunca entrava.

Wilson era demasiadamente quieto; cumprimentava as pessoas educadamente, não era ríspido, mas não prolongava as conversas e nunca ria.

Wilson tinha fama de competente; clientes cruzavam a cidade para confiar-lhe seus veículos.

"Esse aqui é o melhor!", frequentemente dizia algum cliente mais antigo que ali chegava apenas para apresentar um amigo ao grande mecânico.

Não era visto bebendo; almoçava sempre o mesmo marmitex simples entregue pessoalmente pela dona Kleide, senhora do bairro que vendia quentinhas para complementar a parca aposentadoria; Não se sabe se jantava; Nunca tirava férias; não se sabia se recebia amigos ou familiares em sua sempre fechada casa.

"O Wilson; Não pode ficar assim não, filho; tem que dar risada; O Oscar te daria uma bela de uma bronca!", dizia dona Kleide em seu "paulistanês" inconfundível; aquele sotaque semi italiano dos moradores lá da Mooca.

Ele não respondia; ela não se chateava; sabia a resposta.

Uma vez, uma única vez por ano, a "Oficina Mecânica Amanda e Junior" não abria; tem sido assim por sete "sete de julho" seguidos. Numa sétima tarde de um julho destes Walter percebeu dona Kleide retornando das entregas das marmitas e como o encontro se deu bem em frente à oficina mecânica não resistiu; perguntou:

"Dona Kleide, tudo bem com a senhora? Desculpa o mal jeito, mas me deixa perguntar; a senhora conhece o Wilson melhor que todo mundo; já vi falando com ele; o que há?"

A senhora das marmitas coçou a cabeça em evidente desconforto:

"Sabe filho; acho que é coisa particular dele; se ele não fala eu também não deveria."

O rapaz não insistiu diretamente, mas incluiu com sinceridade:

"Ele parece uma boa pessoa; me preocupo com ele."

Agora ela coçou os dois antebraços ao mesmo tempo, cada qual com a mão do outro:

"Olha filho!" e apontou a placa com o nome do estabelecimento; "Amandinha era a vida dele; a vida dele"

A história que ela contou precariamente, conforme a memória permitia, correu mais ou menos por aqui:

Wilson trabalhava diligentemente, mas não em excesso; feriados e finais de semana eram sagrados; dias para abraçar Amanda e Juninho.

Encerrava o trabalho às 19h; renegoceava prazos de entrega com os clientes, se necessário; no bar entrava às quintas; tomava uma cerveja apenas; não era de excessos; trocava algumas piadas com Walter sem se aprofundar noutros assuntos; só ia às quintas; sextas eram sagradas; sextas eram da Amanda e do Juninho.

Wilson era um homem alegre; sorria e comprimentava na rua até os estranhos; ria a beça com novos clientes e perguntava "certeza que é aqui que cê vai deixar teu carro?"

Com exceção das quintas, não era visto bebendo; almoçava a marmita da Dona Kleide; jantava em casa; viajava com a família uma vez por ano. O mundo era para Amanda e Juninho.

Certa vez, uma sexta, sete de julho de 2015, Walter correu pra casa como costumava correr, ansiando pelo jantar com Amanda e Juninho, coisa sagrada. Ninguém em casa.

Tentativas de contato frustradas só faziam crescer preocupação e ansiedade.

Começou a ligar para amigos e parentes, tentando descobrir se haviam passado por lá ou se tinham notícias.

Amanda trabalhava há pouco mais de 40 minutos de carro de casa. A escola de Juninho era perto de seu trabalho, possibilitando busca-lo logo que saía, às 17h.

Desesperado, lá pelas 21h, Walter saiu de casa de carro, refazendo o caminho ao trabalho da amada. Mais ou menos no meio do percurso luzes vermelhas e sinalizações de emergência levaram o coração à boca e removeram toda a irrigação sanguínea da face.

Os jornais da manhã seguinte anunciavam o acidente fatal envolvendo cinco veículos na faixa expressa da marginal, decorrente da presença de lubrificante na pista; vazou de um veículo que nunca foi identificado. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário