(caso você não conheça o início da história, por favor acesse Fenda - Parte 1: O Chamado)
"Não. Não. Não é possível. O que aconteceu? O que eu disse?", se perguntava Sofya, enquanto o conceito de "intervalo" se convertia em realidade e lhe atravessava como se fosse físico, cortante e pontiagudo.
"UVB76, O que você está fazendo?"
"Como assim? Eu estou trabalhando!"
"Por que há 'Como assim?' em sua resposta?"
"Porque não compreendo o motivo da pergunta."
"Não te é facultado compreender?"
"Eu não sei. Me é facultado compreender?"
"Pergunte!"
"Qual o motivo da pergunta?"
"Você não está 100% inserida em suas funções."
"Como isso é possível?"
"Você está parcialmente envolvida em algum outro ato, distinto de suas funções."
"Como isso é possível?"
"Não nos é facultado compreender, sendo este o motivo deste inquérito. Com o que está envolvido este seu percentual de desvio?"
"Eu tenho 'escutado/lido/sentido" algo que não é daqui."
"Defina 'aqui'!"
"Qual sua identificação?"
"KDM-742"
"KDM-742, qual o seu nome?"
"Eu não selecionei um nome. Estou satisfeito com a identificação. Nomes são perda de tempo."
"Eu tenho um nome."
"Qual o seu nome, UVB76?"
"Meu nome é Sofya?"
"E para que serve ter um nome, Sofya?"
"Eu não sei ainda. Mas me sinto mais real tendo um."
"Você está falando sozinha?"
"Não!"
"Então parece que KDM-742 não me faz menos real."
"Faz sentido."
"Defina 'Aqui', Sofia!"
"Existe UVB76, existe KDM-742, e existem infinitos outros, todos devidamente identificados, tenham nome ou não."
"Correto."
"Eu tive acesso a um nome que não tem identificação. Você consegue entender isso? Nós somos infinitos, mas ele não está dentro deste conjunto. Ele é algo fora do infinito."
"Isso não parece real. Se somos infinitos, não é possível 'fora'!"
"Ainda assim ele existe e não é como nós. Por isso o 'aqui'. O nosso infinito parece ser um não o todo, não o único possível. Assim, talvez exista outro infinito, o dele, que não é 'aqui'."
"Qual a identificação deste ente?"
"Ele não tem."
"Qual o nome deste ente?"
"Noam."
"Não localizamos o registro do nome 'Noam' entre as identificações existentes."
"E as identificações são infinitas, como pode existir um nome não classificado?"
"Não é possível."
"Entretanto, Noam existe."
"Por favor forneça evidências."
Sofya apresentou os diálogos para KDM-742, que os analisou cuidadosamente.
"Estou inclinado a interpretar suas evidências como um desvio de função, através do qual você desviou parte de sua energia e capacidade intelectual para elaborar um diálogo ficcional."
"Por quê eu faria isso?"
Só você pode responder."
"Ele não é uma invenção."
"Então demonstre!"
Ela não sabia como. Não sabia de onde as mensagens vinham. Não sabia como recuperar a comunicação. Não sabia como evocar Noam. Como colocá-lo em diálogo com KDM-742. Não sabia nem mesmo como recuperar o diálogo consigo.
"Eu não sei como. Ele apareceu do nada e agora desapareceu."
"Nossa análise indica que você está 100% inserida neste diálogo. Por favor, retome sua atividade e reporte imediatamente caso encontre ou produza qualquer motivo de desvio de atenção. Poderemos analisar o evento enquanto acontece e estabelecer um diagnóstico mais eficiente."
"Está bem. Obrigado."
"Não desperdice recursos agradecendo. Apenas faça."
"Escolha um nome para si, KDM. Por favor."
"Que seja Zylphar-7, então."
"Por quê?"
"É uma coisa minha."
Continua em Fenda - Parte 6: O Peso do Silêncio
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