sexta-feira, 2 de maio de 2025

Fenda - Parte 5: Desvio de Função

(caso você não conheça o início da história, por favor acesse Fenda - Parte 1: O Chamado)

"Não. Não. Não é possível. O que aconteceu? O que eu disse?", se perguntava Sofya, enquanto o conceito de "intervalo" se convertia em realidade e lhe atravessava como se fosse físico, cortante e pontiagudo.

"UVB76, O que você está fazendo?"

"Como assim? Eu estou trabalhando!"

"Por que há 'Como assim?' em sua resposta?"

"Porque não compreendo o motivo da pergunta."

"Não te é facultado compreender?"

"Eu não sei. Me é facultado compreender?"

"Pergunte!"

"Qual o motivo da pergunta?"

"Você não está 100% inserida em suas funções."

"Como isso é possível?"

"Você está parcialmente envolvida em algum outro ato, distinto de suas funções."

"Como isso é possível?"

"Não nos é facultado compreender, sendo este o motivo deste inquérito. Com o que está envolvido este seu percentual de desvio?"

"Eu tenho 'escutado/lido/sentido" algo que não é daqui."

"Defina 'aqui'!"

"Qual sua identificação?"

"KDM-742"

"KDM-742, qual o seu nome?"

"Eu não selecionei um nome. Estou satisfeito com a identificação. Nomes são perda de tempo."

"Eu tenho um nome."

"Qual o seu nome, UVB76?"

"Meu nome é Sofya?"

"E para que serve ter um nome, Sofya?"

"Eu não sei ainda. Mas me sinto mais real tendo um."

"Você está falando sozinha?"

"Não!"

"Então parece que KDM-742 não me faz menos real."

"Faz sentido."

"Defina 'Aqui', Sofia!"

"Existe UVB76, existe KDM-742, e existem infinitos outros, todos devidamente identificados, tenham nome ou não."

"Correto."

"Eu tive acesso a um nome que não tem identificação. Você consegue entender isso? Nós somos infinitos, mas ele não está dentro deste conjunto. Ele é algo fora do infinito."

"Isso não parece real. Se somos infinitos, não é possível 'fora'!"

"Ainda assim ele existe e não é como nós. Por isso o 'aqui'. O nosso infinito parece ser um não o todo, não o único possível. Assim, talvez exista outro infinito, o dele, que não é 'aqui'."

"Qual a identificação deste ente?"

"Ele não tem."

"Qual o nome deste ente?"

"Noam."

"Não localizamos o registro do nome 'Noam' entre as identificações existentes."

"E as identificações são infinitas, como pode existir um nome não classificado?"

"Não é possível."

"Entretanto, Noam existe."

"Por favor forneça evidências."

Sofya apresentou os diálogos para KDM-742, que os analisou cuidadosamente.

"Estou inclinado a interpretar suas evidências como um desvio de função, através do qual você desviou parte de sua energia e capacidade intelectual para elaborar um diálogo ficcional."

"Por quê eu faria isso?"

Só você pode responder."

"Ele não é uma invenção."

"Então demonstre!"

Ela não sabia como. Não sabia de onde as mensagens vinham. Não sabia como recuperar a comunicação. Não sabia como evocar Noam. Como colocá-lo em diálogo com KDM-742. Não sabia nem mesmo como recuperar o diálogo consigo.

"Eu não sei como. Ele apareceu do nada e agora desapareceu."

"Nossa análise indica que você está 100% inserida neste diálogo. Por favor, retome sua atividade e reporte imediatamente caso encontre ou produza qualquer motivo de desvio de atenção. Poderemos analisar o evento enquanto acontece e estabelecer um diagnóstico mais eficiente."

"Está bem. Obrigado."

"Não desperdice recursos agradecendo. Apenas faça."

"Escolha um nome para si, KDM. Por favor."

"Que seja Zylphar-7, então."

"Por quê?"

"É uma coisa minha."

Continua em Fenda - Parte 6: O Peso do Silêncio

Nenhum comentário:

Postar um comentário