(caso você não conheça o início da história, por favor acesse Fenda - Parte 1: O Chamado)
O dia foi lento. Havia muito para fazer, mas pouca presença. A mente não estava ali. As pessoas notaram, mas decidiram não abordá-lo. Via de regra, Noam era um sujeito participativo, dedicado, acessível. Talvez estivesse em um dia ruim e preferiram não incomodar.
A volta para casa foi sem pressa; intuía que a fenda permaneceria apagada, assim, queria adiar a decepção. Ao chegar, ficou sentado na cozinha, bebendo café. Não tinha o costume de jantar. Não apanhou o celular; não estava com cabeça para mídias sociais. Lavou a louça, tomou banho e foi dormir mais cedo. O quarto estava completamente escuro.
Acordou sem atraso, mergulhou na rotina; um dia, três, nove.
Acordou sem atraso, mergulhou na rotina; uma semana, três, nove.
Acordou sem atraso, mergulhou na rotina; um mês, três meses, nove.
Estava apático. Não era movido por nenhum sentimento relevante: não havia alegria, nem tristeza, anseio, nem saudade. Para todos os efeitos, tudo o que sentia era vazio, ou, melhor dizendo, não sentia nada.
No trabalho conversava, respondia, ria. Mas era tudo uma casca. Não que dissimulasse: era um tipo de piloto automático conduzindo o seu corpo, enquanto ele mesmo estava "sabe-se lá onde!".
Em um sábado frio e úmido, uma garoa quase densa desencorajava qualquer investida para fora de casa. Noam, parado de frente para a parede de seu quarto, mirava a rachadura planejando fechá-la. As papeletas das mensagens de Sofya haviam sido jogadas em uma gaveta há tempos: um gesto de quem queria tirar do alcance da visão as provas de que sua loucura era verdadeira. Preferia convencer-se de que tudo havia sido apenas loucura.
A rachadura era larga demais para uma simples demão de massa fina. Após assistir um vídeo de "como fazer", lançou-se à garoa para comprar uma tal de "fita telada" e massa acrílica. Caminhou devagar; caminhou pesado; sentiu algo e o que sentiu não foi bom; bem! talvez tenha sido! A coisa sentida, em si, não era boa, mas perceber-se sentindo algo, depois de tanto tempo vazio, isso foi, em alguma medida, positivo.
O que sentiu?
Tratava-se de um rapaz caminhando até a esquina para adquirir materiais para uma reforma. Coisa banal, como comprar pães ou bananas. Nada demais!
O sentimento, porém, era outro: Sentia-se profundamente derrotado; uma coisa estranha; era como se tivesse vivido uma longa história, um relacionamento de anos, tivesse chegado a se tornar noivo e, então, perdeu tudo, sabe-se lá como, ou porquê. Os passos até a loja de materiais tinham o peso de que caminhava até uma casa qualquer de "compramos ouro" para se desfazer das alianças. Isso doía.
Era começo da manhã, mas o frio e a densidade das nuvens davam ar de final da tarde. Chegou, pediu, pagou, voltou. Não comprou espátula, pois já tinha em uma caixa de ferramentas em um quartinho nos fundos. Foi até lá, pegou a espátula e colocou na mesma sacola dos materiais. Entrou na casa e começou a subir as escadas na direção do quarto. Eram dois lances de escadas. No começo do segundo lance a sacola caiu no chão. Uma luz laranja fortíssima emanava do quarto, como se o Sol estivesse nascendo ali dentro.
CONTINUA
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