sexta-feira, 8 de junho de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (24)


Quando se viraram, a Sombra, perfeita mistura de trevas e ódio, acabava de chegar à margem imediatamente à frente. Estava em pé, sobre as pernas traseiras, “encarando-os” postada a milímetros do limiar da água. 
Deu um passo, mergulhando o pé direito na água. A agitação e o vapor emitidos foram imensos. Assim como acontecia com seu sentimento de ódio, foi possível perceber uma grande dor emanar da criatura, embora nenhum som tenha sido emitido. Apesar do sofrimento, o ódio ainda parecia dominar sua determinação, assim, um segundo passo foi dado, mergulhando a perna esquerda até o calcanhar. Uma massa ainda maior de vapor foi lançada, quase impossibilitando a visão daquele corpo. Um terceiro passo foi dado, mas foi possível perceber o ódio e a determinação sendo gradualmente subjugados pela dor. A criatura permaneceu imóvel ainda por alguns momentos, parecendo lutar internamente contra aquela experiência lacerante. Derrotada, recuou e lançou o peso sobre os vigorosos braços, suspendendo as pernas para que não tocassem nem a rocha da estrada. Virou-se em silêncio e desapareceu na borda da muralha. Em seguida desapareceram também as projeções de angústia, dor e ódio, sugerindo o distanciamento da Sombra. Um grande alívio tomou conta dos viajantes, mas não ousaram sair da água. Cansados, avançaram até um ponto no qual fosse possível sentar no fundo do espelho, a água em seus queixos.
- Aquilo quer nos matar!
- E o que é aquilo?
- Ódio!
Permaneceram ali, perdidos em seus pensamentos por quase duas horas. A aproximação do meio dia fez Marcus pensar no risco de abrigarem-se no patamar além do parapeito. Estava aterrorizado! Cabeça dividida entre a iminência do Vendaval e a possibilidade da Sombra ainda estar à espreita.
- Precisamos fazer alguma coisa!
- Não sei, Rapaz! Não sei mesmo! A coisa tá preta!
- Em todos os sentidos possíveis! Já viu o Sol?
- É isso que me preocupa!
Marcus se levantou, pronto para caminhar rumo ao parapeito. Valdomiro o segurou pelo braço, mas não disse nada. Ciente da gravidade da situação, acabou soltando o companheiro. Valdomiro caminhou ao lado de Marcus, segurando a lança firmemente com as duas mãos, apontando para o abismo, pronto para golpear qualquer coisa que viesse dali. Marcus não censurou o amigo. Imaginava que novos golpes naquela coisa serviriam apenas para enfurecê-la ainda mais ou, pior, multiplicá-la, como o ocorrido com as aranhas, mas talvez lhes garantisse a oportunidade de voltar para a água.

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