Olhando para Valdomiro percebeu que seu semblante recuperava a tranquilidade.
Olhar fixo no Norte. Sentiu fome, mas preferiu não propor uma nova pescaria até
a manhã seguinte, supondo que sobrevivessem àquela noite tão repleta de
incógnitas.
- O Sol se põe e nada de nevoeiro. Dormiremos na água?
- Com certeza, Rapaz! Nem gripe nem “peleumonia” me assustam mais que
aquela coisa!
Marcus há muito percebera que mesmo sem intimidade com
as palavras, Valdomiro não era menos sábio que outros admiráveis homens que
havia conhecido em sua vida. Quando já não havia mais disco no céu, apenas
ondas de luz avermelhada, aproveitaram aquela penumbra final para escolher um
ponto adequado para dormirem. Não mais que vinte centímetros de profundidade; o
bastante para cobrir boa parte de seus corpos e mesmo assim manter seus rostos
fora d’água. Marcus imaginou que era raso demais e que a Sombra, se assim o
desejasse, os alcançaria com facilidade, mas não era capaz de propor solução
melhor. Se fossem mais fundo, com certeza não conseguiriam dormir. Apostou no
alertar das “emissões de ódio” da criatura, deitou e dormiu rapidamente.
Sentia-se boiando em um mar agitado. Corpo com braços abertos e pernas soltas.
Não era capaz de se mover. Não podia começar a nadar. Estava à deriva, contando
apenas com o empuxo da água para manter seu corpo em posição que ainda lhe
permitia respirar. Às vezes uma onda mais forte o mergulhava por inteiro, mas
retornava à tona antes de perder completamente o fôlego. Gradualmente a água
foi tornando-se leitosa, até ficar completamente branca. Quando as ondas se
projetavam sobre ele, não era mais capaz de ver através delas, tendo a água
perdido completamente sua transparência. Uma última onda surgiu, mergulhando-o
com violência. Sentiu-se desesperado ao perceber que não retornava mais à
superfície. No instante derradeiro, tomado por pavor e angustia, retomou o
controle dos braços, movimentando-os freneticamente para nadar. Notou alguma
mudança na densidade da água no exato momento que levou sua cabeça á tona.
Percebeu que com a mão removia para o lado um oceano de lençóis brancos, os
quais se encolheram até o tamanho de um único lençol de solteiro. Alvo como
apenas os lençóis de hospital e as toalhas de restaurante podem ser. Estava de
volta ao seu quarto, iluminado pelo Sol nascente. Sentou-se e respirou
profundamente, pois a falta de ar era real. Levantou da cama sem dificuldade e
foi até a janela. A vida seguia normalmente na cidade que nunca dormia.
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (27)
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