sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Conto - A Grande Tristeza


Muito tempo atrás existiu um grande sábio - “O Sábio”, como era conhecido por seus contemporâneos - cuja voz tinha o poder de trazer a Paz aos corações, a Sabedoria aos espíritos e a Harmonia às tribos. O Sábio caminhava por todos os lugares sem destino específico, indo ao encontro daqueles que desejassem dialogar.

Algum tempo antes de “muito tempo atrás” uma terrível sombra desceu sobre todo um povoado. A tristeza devorava todos os corações. Naquele povoado havia um governante e em seu palácio vivia coração inquieto e preocupado. Naquela manhã a voz de menino questionou:
-        Pai, ninguém brinca comigo. As crianças não saem de casa. As pessoas estão com os olhos vazios. Trabalham em silêncio.
-        Meu pequeno, um terrível mal rasgou o coração do nosso povo. É por isto que não sorriem, nem brincam, nem conversam.
-        O que aconteceu?
-        Do outro lado da montanha havia um mosteiro construído em homenagem a Zarock, o deus proibido. Todos os anos muitos jovens do nosso povoado e dos povoados vizinhos passam a noite naquele lugar, festejando em agradecimento pela colheita. Cantam canções alegres, dançam e oferecem sacrifícios ao seu deus. Zarock, dizem, cria o fogo para criar vida, assim como se alimenta do fogo. No centro do mosteiro havia um grande altar no qual uma grande fogueira era sempre alimentada pelos sacerdotes. Nas noites de festa, as chamas subiam altas, revigoradas pelos diversos tipos de oferendas. A última festa em homenagem a Zarock foi há poucos dias. A colheita, neste ano, foi mais farta que qualquer outra da qual se recordavam os anciões.
-        O que aconteceu?
-        Nesta festa, assim como a colheita, o fogo foi maior que o de qualquer outro ano. Ele devorou as oferendas, os sacerdotes, o templo e os filhos do nosso povo.
A dor de todo o povo atravessou o coração do menino. Ele não perguntou mais nada. Correu para seu quarto e chorou. Lágrimas corriam em cascata, perturbado pelo sofrimento que mal compreendia. Não saiu do quarto quando convidado ao jantar. Não dormiu quando as lâmpadas foram apagadas. Chorou e sofreu por toda a noite. Sentiu-se como se fosse cada jovem lá dentro. Sentiu em seu corpo da dor causada pela fome de Zarock. Esmagou seu peito a dor de perder um filho. Mais de duzentas espadas atravessaram seu peito, como se fosse pai mais de duzentas existências e como se em todas elas o sorriso de seu filho lhe fosse arrancado. Na manhã seguinte, com o rosto úmido e os olhos vermelhos, o menino se juntou à família para o café da manhã.
-        Você está bem, meu pequeno?
-        Não pai. Meu coração dói.
-        Eu entendo!
-        Eles não deveriam estar lá. O templo do deus proibido não deveria existir. Os pais não deveriam ter permitido que fossem até lá.
-        Eu entendo sua raiva, meu filho. Quando sofremos, procuramos culpados. Mas não podemos condenar aqueles jovens por terem estado lá. Não podemos culpar os sacerdotes de Zarock, muito menos os pais dos falecidos.
-        Então de quem é a culpa, Pai?
-        A culpa é minha, meu pequeno. Eu me atrasei.
-        Eu não entendo.
-        Eu conheço a vida, meu pequeno. Eu sei de onde nascemos; eu já te ensinei isto. Mas eu me atrasei. Cada pessoa à qual deixei de ensinar sobre “vida do mundo” ¹ pode ter sido uma oportunidade perdida de evitar que um daqueles jovens estivessem lá. Não foi Zarock quem os condenou. Eram jovens, estavam felizes, procuravam um meio de se divertir. Procuravam um meio de agradecer pela vida. Mas estavam onde não deviam estar. Estavam comemorando a vida ao lado de onde nasceria a morte. Eu me atrasei, meu filho.
-        Pai.
-        O que é?
-        Eu também conheço a “vida do mundo”. Eu também me atrasei.
-        Você é uma criança. O fardo não é seu.
O menino não disse mais nada, mas guardava em seu coração tudo o que via e ouvia; Ele se levantou da mesa e correu em direção à saída.
-        Aonde você vai?
-        Estou atrasado!
Nota:

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