sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Conto - O Sábio e o Sacerdote


Muito tempo atrás, em um reino já esquecido pelos livros de História e pelas lendas, existiu um grande sábio - “O Sábio”, como era conhecido por seus contemporâneos - cuja voz tinha o poder de trazer a Paz aos corações, a Sabedoria aos espíritos e a Harmonia às tribos. O Sábio não tinha casa, andava pelas ruas das cidades, pelos vilarejos, pelo campo, falando aquilo que lhe brotava do coração a todos os que se dispusessem a ouvir. Dormia ao relento, sob pontes, em celeiros, decisão tomada pelo fim de cada dia.

Certa noite, sentado sozinho sob uma formação rochosa, escutava o som do vento e assistia o mundo ao redor, iluminado por instantes a cada novo raio; uma forte tempestade se aproximava. No intervalo entre os raios, trevas. Do interior das trevas viu nascer um oscilante ponto de luz; frágil mancha amarela tremeluzindo no vento forte. Esperou! Ponto tempo depois já era possível distinguir cinco homens trajando mantos negros, cada um segurando uma tocha, um seguido por quatro. Quando o “um” se aproximou do Sábio os quatro ficaram para trás, guardando uma distância respeitosa, ajoelhados em silêncio. O que vinha à frente, após uma reverência, iniciou o diálogo nos seguintes termos:
  • Saudações, amigo dos homens. Somos Sacerdotes de Erebathor e viemos aqui ouvir sua voz.
  • Não existem sacerdotes de Erebathor à menos de um dante ¹ daqui. Devem estar muito cansados!
  • Um pouco! De fato viajamos por três luas, desejosos de encontrá-lo.
  • E em que eu posso servi-los?
  • A voz dos homens leva para muito longe aquilo que um único homem fala, assim, a voz dos homens realizam o trabalho daquele único quando e onde ele não pode ir. Foi assim que aquilo que o senhor ensina chegou até nossa morada, perturbando nossos espíritos.
  • E por que eu os perturbo?
  • Seus ensinamentos inspiram os homens, transformam suas vidas, seus corações. Nós temos servido a Erebathor por toda uma vida, em busca de sabedoria para nós e para os homens; ainda assim, não nos sentimos mais sábios que quando iniciamos nossa jornada; não temos nada para dizer aos homens que eles mesmos não pudessem ter lido nos livros sagrados; queremos saber quais os seus livros sagrados? A qual deus serve e do qual recebe sua sabedoria? Estamos dispostos a servi-lo com o mesmo empenho que tivemos para com Erebathor!
  • Suas palavras são belas e sua busca é sincera. Me digam, a qual deus julgam que eu sirvo?
  • A voz dos homens trouxe-nos muitos nomes. Uns diziam que você era servo de Khan. Outros falavam que era um profeta de Shinai. Houve quem nos dissesse que é a Erebathor que atribui sua sabedoria. Outros ainda falam que seu deus se chama “Água”, e ensina que ela se levanta do lago para nos encher de vida. Eu repito, fale-nos do seu deus e de bom grado deixaremos Erebathor para segui-lo.
  • Meus amigos, eu não sirvo a deus algum.
  • Estou confuso, mestre! As palavras que vem de seu coração trazem vida aos corações dos homens. Não podem ser invenção humana. Precisam ter vindo de um deus.
  • Não me chame de mestre, por favor. Antes, me chame amigo, pois assim os vejo, e todos aqueles com os quais dialogo. Eu não preciso que abandonem Erebathor, eu não vim para trazer novos deuses.
  • Então o senhor é um servo de Erebathor?
  • Não. Eu não sirvo à divindade alguma. Eu não creio em divindade alguma. Ao mesmo tempo, creio em todas, pois sei que todas participam da mesma Razão, da mesma Lei da qual nós mesmos participamos. Tudo está unido à Vida da qual todas as vidas nascem, à qual todas as vidas retornam.
  • Deuses não existem?
  • Tudo é possível, meu amigo. Mas não os procure, pois estarão na mesma jornada, na mesma busca que você. Ponha-se, portanto, ao lado deles. Aprenda, se for possível aprender, ensine, quando estiver decidido a compreender.
  • Como poderia eu, um simples sacerdote, ensinar algo aos deuses?
  • A incompreensão de que você é parte da Sabedoria que busca o cegou para a capacidade de ensinar aos homens e aos deuses. A incompreensão de que você é parte da Sabedoria que busca tornou infrutífera a sua vida de devoção. A incompreensão de que você é parte da Sabedoria que busca o trouxe até aqui, apenas para que compreendesse. Sempre trouxeste consigo aquilo que esperava encontrar.
O Sacerdote olhou o Sábio por alguns instantes, depois levantou-se em silêncio, retornando às trevas com seus quatro amigos. Muito tempo depois o Sábio ouviu as vozes dos homens, e estas falavam da voz de Cinco Sacerdotes do Leste, homens cuja voz tinha o poder de trazer a Paz aos corações, a Sabedoria aos espíritos e a Harmonia às tribos.
Nota:
¹ “Dante” era a distância média que a cavalaria imperial era capaz de percorrer em “uma lua” de marcha forçada. “Uma lua” refere-se ao ciclo lunar; equivaleria a, aproximadamente, um mês no calendário atual.

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