quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Conto - O Sábio e a Chuva


Um sábio não nasce sábio, a menos que lhe confiramos tal característica retrospectivamente. Ele não nasce adulto, não surge completo, formado, pronto. A história a seguir apresenta o sábio antes de “O Sábio”, a história de um menino, seu pai e a chuva:

“Muito tempo atrás, em um reino já esquecido pelos livros de História e pelas lendas, existiu um grande sábio - “O Sábio”, como era conhecido por seus contemporâneos - cuja voz tinha o poder de trazer a paz aos corações, a sabedoria aos espíritos e a harmonia às tribos. Algum tempo antes de “muito tempo atrás”, existiu um menino e este menino carregava em seu coração uma semente, o nome desta semente era “Sabedoria”. Certa vez, o menino caminhava com seu pai pelos corredores de um palácio, mas o menino nada sabia de palácios ou de moradas humildes, apenas sabia que ali era seu lar. Ouvindo trovões e o canto do vento, correu até uma das saídas, apenas para assistir, frustrado, a chuva que minava suas esperanças de correr pela grama. Frente àquele evento, perguntou ao seu pai:
- Pai, por que chove?
O pai, senhor daquela morada e das terras que a circundavam, ajoelhou-se frente ao menino e sorrindo lhe disse:
- Meu pequeno! Isto eu não posso te responder hoje! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa compreender!
O menino, impaciente como toda a criança, não podia esperar até amanhã, pois era hoje que seu espírito era perturbado pela dúvida, mas sabendo que não adiantaria insistir, calou-se. Na manhã seguinte, incapaz de concentrar-se em qualquer outra atividade, correu até o pai e insistiu:
- Pai, por que chove?
Novamente o pai sorriu, mirou o filho com olhar sereno, e repetiu:
- Meu pequeno! Isto eu não posso te responder hoje! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa compreender!
Manhã após manhã o menino interrogava o pai, mas recebia sempre a mesma resposta. Muitos dias e semanas se passaram, mas a curiosidade da criança não diminuía. Numa outra manhã, correndo até o pai, repetiu a frase que já havia substituído o “Bom dia! O pai sorriu e disse:
- Segue-me!
Andaram por alguns corredores até atingir uma saída lateral do palácio. Caminharam um pouco mais, chegando até um cômodo externo, no qual homens entravam e saíam carregando ferramentas. Ali o pai solicitou um balde, sendo prontamente atendido. Em seguida foram até uma construção de madeira, algo circular, lembrando o balde que traziam, mas um pouco mais alto que o pai do menino. A construção era ladeada por uma escada, pela qual o pai subiu até a borda, encheu o balde com água e retornou. O menino observava em silêncio, pois guardava no coração tudo o que o pai dizia e fazia. Seguiram então para uma grande área cercada, na qual cresciam toda a variedade de flores ornamentais e árvores frutíferas. O menino conhecia o lugar, era “O Jardim”, a única parte da propriedade da família na qual os camponeses não entravam, pois apenas o pai trabalhava ali, mas cujos magníficos frutos eram sempre distribuídos a todos. O cenário que sempre cativava o menino por sua beleza e cor estava agora abandonado, flores murchando e frutos morrendo antes de completarem sua formação. A terra demasiada seca tornava evidente o motivo. O pai se ajoelhou no chão e com as mãos em concha aspergia água com cuidado, umedecendo o chão progressivamente. Foi um trabalho cansativo, pois apesar da insistência do menino para que o balde fosse virado de uma vez, o pai não o permitia. Tiveram que retornar diversas vezes para recarregar o balde, até que todo o jardim estivesse devidamente irrigado. Com os joelhos enlameados e o rosto em cascatas de suor, o pai tocou o ombro do filho e disse:
- Meu pequeno! Ainda não te posso falar sobre a chuva! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa compreender!
Dia após dia o menino perguntava! Dia após dia o pai o levava para o árduo trabalho de regar o grande jardim. O menino assistia a vida retornar ao lugar, e isto reduzia a pena do trabalho. Tempos depois, o menino ainda estava na cama quando foi chamado pelo pai:
- Segue-me!
Foram para fora! O menino sabia que não iriam para o jardim, pois chovia. A mãe fitava o pai com olhar de reprovação, pois o menino era ainda muito pequeno para sair naquela chuva. Temia que adoecesse. O pai seguiu. O menino o seguiu. A chuva era forte e o vento atirava-a aos olhos, dificultando a visualização do caminho. O pai o levava no colo. Tudo o que o menino podia perceber era que andaram por muito tempo e subiram bastante. Finalmente alcançaram o destino, ainda sob forte chuva. O pai o colocou suavemente no chão e o levou até um tipo de parapeito, feito com pedras recobertas de musgo.
- Me diga, meu pequeno, o que você vê?
A chuva era densa! Não era possível ver nada além de poucos metros. O menino só via o muro, o pai e um mar de cinza.
- Não posso ver nada!
- Então ainda não posso te falar da chuva! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa compreender!
O pai pegou o menino gentilmente e retornou pelo longo caminho até o palácio. Na manhã seguinte o menino foi até a janela e conferiu que não mais chovia. Depois correu até o pai, mas nada disse. Sentou-se tranquilamente para o café e só então perguntou:
- Pai, por que chove?
Novamente o pai pediu para que o seguisse. A caminhada foi mais demorada e difícil que a do dia anterior, pois desta vez o menino não ia ao colo. Foram para além da propriedade da família. Atravessaram a vila dos camponeses e seguiram pela estrada que levava para outros domínios. Abandonaram a estrada e seguiram por uma trilha que serpenteava montanha acima. No alto da montanha chegaram até um patamar frente a um penhasco. O patamar era guardado por um muro de pedras. O menino tocou o musgo. O pai se ajoelhou ao lado do filho, apontou o horizonte e perguntou:
- E agora, meu pequeno, o que você vê?
- Eu vejo ao longe, muito pequeno, a nossa casa. Vejo o seu jardim e as casas das pessoas. Vejo a grande estrada. Vejo campos verdes e florestas quase negras. É isso que eu vejo.
- O mundo é muito grande, meu pequeno. Nele há muita vida, muita beleza. Tudo isto precisa de cuidados. Aqui você vê como é diminuta a nossa casa. Aqui você vê como o mundo é grande. E eu posso garantir que é ainda maior que tudo isto que você vê. Daqui, sobretudo de agora, você pode compreender a chuva. Chove porque não podemos regar tudo isto, mas tudo isto merece ser regado!”

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