sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

#Verborragia: Barbear

      Para entender o motivo da "Verborragia" por favor leia o início do texto "Inclusão". A palavra de hoje é "Barbear". Missão dada é missão cumprida parceiro. Bora lá!

      Edson nasceu e cresceu no campo; De lá foi expulso pelo empobrecimento do solo associado à explosão demográfica. A cidade cresceu até sua porta, literalmente. Curiosamente, embora ele estivesse quieto em seu canto, não tinha renda suficiente para viver na cidade que o cercou, assim, foi empurrado para a periferia, cada vez mais distante; a mão habilidosa na terra era pouco eficaz em outras tarefas, não alcançando maestria em nada mais. Vivia de bicos; não era considerado suficiente para qualquer tarefa que fosse.

      Do pai herdou a terra que perdeu, a habilidade que se tornou obsoleta e o gosto pela barba. Nunca esqueceu o orgulho do surgimento dos primeiros fios; manteve a barba sempre densa, mas corretamente aparada; quando olhava para o pai enxergava um desses "coroné" que se via em fotos antigas; queria ser como ele; sentia-se um derrotado.

      De bico em bico, de barraco em barraco, sempre mais longe da casa, que não era mais sua, chegou no limite de ter o dinheiro só da comida, não da estalagem. Dormiu agachado num canto de beco; sono picado, acordando muitas vezes, ora pelos ruídos da noite, ora pelos pesadelos envolvendo o medo da noite, ora apenas por rompantes de triste e lágrimas. "Homi não chora!", diria o pai. "E eu que nem sei mais se sou homem!", pensava ele enquanto enumerava na cabeça a coleção de derrotas que tinha certeza que homem algum poderia ter.

      Na manha seguinte notou, numa lanchonete na avenida na calçada oposta ao do beco, uma placa de "contrata-se garçom". Apresentou-se. Não estava desarrumado. Quase não estava sujo. Falava relativamente bem, parecia gentil. Conquistou simpatia do contratador, "mas com barba não dá!". O garçom precisava ter o rosto "limpo" a fim de garantir a confiança na pureza dos alimentos.

      O homem que nem lembrava mais se era homem, tendo perdido já quase tudo, despiu-se do "quase", na barba perdeu tudo. Aceitou se barbear. Conquistou empregou, salário, em seguida um lugar muito simples para dormir, mas digno. Almoçava no trabalho. Jantava na padaria. Descobriu uma herança adicional: a cortesia, donde derivava receber gorjetas que criavam um belo complemento ao salário. O empregador nunca reclamou; ter um bom funcionário, sabia ele, ajudava na atração da clientela. Que a clientela recompensasse o funcionário não lhe causava qualquer dano "Ta todo mundo pagando o almoço direitinho!", dizia e ria.

      Edson, barbeado, recuperou alguma dignidade, mas nunca esqueceu a barba. Sentia-se menor sem ela. Seguiu a vida. Nunca casou; nunca teve filhos; o "coroné" desaprovaria, pensava. Nunca mais visitou o bairro construído sobre a velha propriedade da família.

      Barba feita, parecia um homem digno. Justamente no fazer da barba sentia-se muito menos.

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