sexta-feira, 1 de abril de 2022

#Verborragia: Concupiscência

Para entender o motivo da Verborragia clique aqui (Por favor Participe! É grátis e fará um [pseudo]autor muito feliz!).  A palavra de hoje é "Concupiscência".

"CONCUPISCÊNCIA", bradava violentamente o homem de preto na larga calçada da avenida.

Era uma área comercial muito movimentada, pessoas indo e vindo, algumas passeando, observando vitrines, outras correndo, eternamente atrasadas para algo.

"Vocês abraçam o erro. Vão queimar com ele!"

Algo assustava em seu semblante; não era sereno; uma animalidade latente; um "quê" de ódio.

Um dos transeuntes podia jurar que viu os olhos faiscando.

"O pecado se alastra pelo mundo e vocês não fazem nada!"

"Fazemos sim. Pecamos!", alguém caçoou enquanto andava.

"DEUS NÃO ESTÁ COM VOCÊS! DEUS NÃO ESTÁ COM VOCÊS!" Não se sabe se gritava ou se urrava; algo respingava da boca.

Havia um anel por dedo, todos de ouro, e um olhar malicioso para cada moça que passava por ali.

"CONCUPISCIÊNCIA! DEUS NÃO ESTÁ COM VOCÊS!"

Noutro canto da cidade uma fina cortina branca, translucida, balançava serenamente acariciada pela brisa. A janela aberta deixava entrar muita luz e o ambiente, de mobília clara, parecia quase luminescente.

Olhos castanhos espiavam a rua tranquila, seguindo o movimento das cortinas e as partes da rua que era possível ver, conforme estas iam e viam. A dona do olhar não as tocava; não as abria; havia algo de encantador naquela baile e não queria interromper. Trajava uma camiseta velha, muito larga. Nada mais. Atrás dela cama bagunçada, algumas latas de cerveja no chão, parte delas encobertas por peças de roupa; livros técnicos em pequenas pilhas espalhadas por toda a mobília sem muito cuidado.

Ao lado da cama uma porta aberta; sob o batente um homem de bermuda segurava duas xícaras de café, uma sem açúcar, outra com adoçante. Parecia hipnotizado: A luz, a dança das cortinas, a silhueta da moça, a música de fundo (não havia aparelho ligado, mas ele escutava algo. Garanto que escutava), tudo numa harmonia tão serena que parecia pecado interromper; a noite anterior foi um encontro entre as mais profundas demonstrações de afeto; naquela manhã tudo era amor.

Se terceiros tivessem visto diriam que os olhos brilhavam.

A beleza se despejava por tudo o que a luz tocava; não desejava fazer nada.

Tudo que era possível ver, seja naquele momento, seja na memória daquela noite, era puro, leal, delicado. A prova da inexistência do pecado.

A voz embargada, tímida, foi emitida conforme tomou coragem e deu passos à frente. "Te trouxe o café!"; nela um sorriso tímido e meigo dispensou qualquer agradecimento formal.

Enquanto bebiam era possível ver nos respectivos dedos anelares das mãos direitas anéis marrons; algo como que madeira; talvez coco.

Nos dois olhares a mais profunda admiração, respeito, carinho, pureza, quase inocência.

Deus estava ali.

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