sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

#Verborragia: Vizinho (parte 1)

Julia, apaixonada, casou-se muito cedo; conhecera Celso na graduação e casaram-se logo após a formatura. Celso, apaixonado, não recuou um único milímetro em carinho e entrega nos 20 anos que se seguiram.

Não faltam relatos de desgaste pelo tempo, monotonia, divergência de visões e sonhos, etc. Nesta casa não; respeito, carinho e esforço mútuos garantiram amor constante sem desgaste da magia inicial; quando aquele primeiro jovem incêndio passou -e sempre passa - já estavam desde muito antes preparados para substituí-lo pelo esforço diligente pela manutenção do carinho e da amizade, sobretudo a amizade: e esse esforço é Amor.

Numa tarde de terça feira ruídos incomuns para o dia e horário alertaram para movimentações no bairro: alguém se mudava para a casa adjacente, vazia há quase um ano.

Julia era arquiteta e trabalhava quase sempre de casa; atraída pela movimentação espiou pela janela, observou sem grande interesse o caminhão descarregando os móveis, comunicou a novidade ao marido por mensagem e retornou ao trabalho; recebeu dele um comentário engraçado sobre a expectativa de que fossem vendedores de drogas e não pensou mais na coisa. Durante o jantar conversaram sobre se apresentar aos novos vizinhos, riram ao se questionar se os presenteariam com um bolo e chegaram ao consenso de que isso só se faz em filmes: Nada de visitas nem bolos.

Todas as manhãs Julia acompanhava Celso até ao portão e se despediam carinhosamente antes dele ir ao trabalho. Enquanto observava o marido descer a rua percebeu que o vizinho saiu quase ao mesmo tempo, levando-os a um encontro no percurso; pareceram se cumprimentar. Iniciou seu dia de trabalho sem pensar no assunto.

À noite, sexta da pizza, Celso comentou que conheceu o vizinho -Vitor- e gostou dele, conversaram por um bom tempo (o percurso ao trabalho era o mesmo em uma extensão considerável) e parecia uma boa pessoa; "Nos convidou para um churrasco amanhã!", incluiu.

"Por quê?"

"Receberá parentes e amigos para comemorar a casa nova e quer nos incluir."

Concordaram em passar por lá e levar cerveja; nada de bolo.

No sábado tocaram a campainha de Vitor pouco antes de meio dia, conforme combinado no dia anterior; foram recebidos pela sorridente Susana, esposa de Vitor, quem os levou até o quintal da casa enquanto os incentivava a ficar à vontade.

"Que bom que vocês chegaram primeiro. Assim temos um pouco de tempo para nos conhecer melhor. O Vi falou que vocês conversaram bastante ontem, né?"

"Graças ao seu marido!", respondeu Celso sorrindo; "Eu teria sacudido a cabeça de longe e seguido meu caminho em silêncio."

"Ele é assim. Acho que nós dois."

Os três chegaram rindo ao ambiente no qual Celso lutava contra o carvão que insistia em não queimar.

"Amor, veja quem chegou."

Um raio pareceu partir os fundamentos da Terra em dois e represar todo o fluxo do tempo do universo quando Vitor desviou o olhar da churrasqueira e encontrou o olhar de Julia; um terremoto cruzou todo o corpo da moça quando ela olhou o rapaz; eram invariavelmente estranhos e, ainda assim, a sensação avassaladora de reencontro quase os afogou; 23 séculos depois -ou uma fração de segundo; não sei bem- ambos sacudiram a cabeça como quem tenta apagar uma lembrança e se apresentaram com a formalidade e afastamento adequados; Celso tentou se convencer que a mudança no ritmo e expressão da esposa foi um tropeço e Susana, sabe-se lá se notou algo, impediu qualquer inquérito distribuindo cervejas e propondo um brinde.

Beberam, riram, comentaram banalidades, enquanto Julia e Vitor se esforçavam para não se olhar; inevitavelmente o que mais ocorria eram encontros de olhares, rapidamente desfeitos para, a contragosto, se reencontrarem em seguida. Outros dois casais se juntaram ao grupo; a tarde foi muito agradável; o encontro terminou quase meia noite.

Celso e Julia voltaram para casa sem conversar muito, dado o cansaço e sono. Tomaram um banho, trocaram alguns carinhos e votos de "Boa noite"; Celso dormiu quase instantaneamente; Julia estava exausta, mas não conseguia dormir, tomada por um quase desespero pela força do sentimento que a possuíra. Não amava o marido um grão de poeira a menos; nada mudou em seu coração em relação a ele, ainda assim, "O QUE FOI ISSO?"

"Bom dia!", disse Celso sorridente enquanto abria as cortinas.

A luz do sol nascente despertou a moça, que se sentia bem descansada, embora tivesse dormido pouco.

Continua em Vizinho (parte 2)

Nenhum comentário:

Postar um comentário