sábado, 21 de janeiro de 2023

#Verborragia: Vizinho (parte 4)

(se você perdeu o início desta história, entre aqui)

Nenhuma nova visita, mensagem ou convite. A moça não pensava nisso, não lamentava o silêncio nem sentia saudade, apenas se sentia grata pela ausência do que provocasse sua confusão. Questionou se a ausência de sofrimento ou incômodo demonstravam o resfriamento daquilo tudo; obviamente, não queria verificar. Na sexta da pizza o casal combinou uma viagem curta no fim de semana; uma corrida ao interior, só para espairecer. Pesquisaram rapidamente e, dada a época de baixa temporada, encontraram uma pequena casa disponível para entrada naquele mesmo dia, se desejassem.

"Você iria hoje?"

"Melhor não. O dia foi cansativo, não temos nada arrumado e são mais de duas horas de viagem."

Combinaram com o proprietário pegar as chaves no meio da manhã, seguiram a noite com conversar triviais enquanto Celso lavava a louça, separaram a bagagem e foram se preparar para dormir.

Acordaram às seis e estavam prontos para sair dez para às sete. Bagagem no porta malas, óculos escuros no alto da cabeça e "Bora!"

Saíram da garagem já dentro do carro, aguardaram o fechamento do portão automático e iniciaram a decida da rua.

Julia ao volante, conforme acordo de sempre revezar, notou com a visão periférica o movimento na porta de Vitor, embora não o estivesse procurando. Olhou por instinto. A baixa velocidade de quem acabara de arrancar ampliou a impressão de eternidade do momento em que os olhos se cruzaram; era como se observasse uma fotografia. Dois séculos (ou três segundos) depois, quando o mundo voltou a se mover, foi possível ver Susana saindo com ele, ambos acenando na direção do veículo. Julia retribuiu com dois toques rápidos na buzina e Celso fez sinal de "jóia".

"Deveríamos ter oferecido carona?"

Julia não respondeu; com efeito, nem ouviu. Estava perdida na tempestade interna desencadeada pela rápida visão.

"Ainda isso? Não é possível! Como, meu Deus? Por quê?"

"Amor? Tudo bem?"

"Sim. Sim. Desculpe. Me distraí."

"Está bem mesmo? Parece preocupada?"

"Sim. Tudo bem. Fique tranquilo."

" Está bem. Então! Deveríamos ter oferecido carona aos vizinhos?"

"Acho que se desejassem ir de carro, onde quer que estejam ido, teriam ido com o deles."

O tom não foi rude, mas foi suficientemente frio para chamar a atenção de Celso.

"Você não está normal. Mudou de repente. O que houve?"

"Desculpe. Eu não sei. Vamos aproveitar o passeio e esquecer isso. Vai ser bom respirar."

"Esquecer o quê, Julia?"

"Eu não sei. Me deixe quietinha um pouco."

Seguiram em silêncio por quase uma hora, até ela notar que se aproximavam de uma destas grandes lanchonetes de beira de estrada.

"Quer tomar um café?", disse ela sorrindo.

"Claro que sim. Você sabe que eu adoro estas paradas."

Tomaram, cada um, um café com leite e um salgado. Conversaram banalidades sobre a paisagem ao redor do imóvel e retomaram a estrada, aparentemente com a normalidade restaurada.

O final de semana foi tranquilo. Passeios pela cidade, compra de algumas besteiras em uma pequena feira de artesanato local, alguns doces caseiros, jantar no "restaurante que serve as melhores panquecas do país", repetição de tudo no domingo (menos o jantar) e viagem de volta.

A semana foi tranquila como a anterior. As preocupações desvanecendo com os dias. Na noite de sexta, meio segundo antes de Julia apanhar o celular para escolher a pizza ele elogiou o sinal de mensagem.

"Olá vizinhos. Aceitam almoçar conosco amanhã?"

Mensagem diretamente do Vitor.

"Você está bem? Parece que viu um fantasma?"

"Sim, sim. Tudo bem. Só achei interessante o celular tocar bem nesse instante."

"Verdade. E quem é? Está tudo bem?"

"Sim. Tudo bem. Os vizinhos nos chamam para almoçar amanhã."

"E você quer ir?"

"Eu preferia fazer algo apenas com você."

"Que moça mais carinhosa. O que você decidir eu aceito. Tem algo em mente?"

"Café da manhã no 'Jãozinho', almoço nenhum e cinema."

"Para mim está ótimo!", disse ele sorrindo"

A padaria "Pão da Mama" serve café "self-service" aos finais de semana. Você paga um valor fixo e tem acesso a uma bela mesa com pães, frios, doces e frutas, como um café da manhã de hotel. Quando Julia pede seu "pão na chapa com requeijão sagrado" ao garçom este grita para o chapeiro: "Joãozinho! Aquele 'na chapa' especial para o nosso casal favorito."

Recusaram educadamente o convite dos vizinhos e foram dormir combinando acordar cedo. No dia seguinte …

Continua em Vizinho (parte 5)

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