domingo, 29 de janeiro de 2023

#Verborragia: Vizinho (parte 5)

(se você perdeu o início desta história, entre aqui)

(No dia seguinte) nenhuma nuvem no céu; Uma manhã ensolarada, mas não exageradamente quente, como é comum no começo do outono. Beijo carinhoso de "bom dia", banho e rua. Sentavam quase sempre na mesma mesa. Julia se inclinava à diversidade de frutas, embora o "pão na chapa" fosse sagrado, além de não resistir ao bolo de cenoura; Celso abusava da diversidade de pães, frios e bolos. Os sábados no "Joãozinho" não eram ocasiões de comedimento; exageravam voluntariamente e com deleite; por isso era comum não almoçarem.

Saciados os apetites, ou melhor, duas fatias de bolo depois de estarem satisfeitos, concordaram em encerrar o café da manhã.

Depois de pagar a conta trocando algumas piadas com a Dna. Marta, caixa por gosto e dona do estabelecimento por herança, seguiram a pé para uma praça nas adjacências. O dia parecia perfeito e tudo ia muito bem, a não ser por algo apertando o coração da moça. Sentados em um banco observando pessoas passeando com seus cachorros (e uma jovem à distância chamando um rapaz de "cachorro") respirou um pouco mais forte, um daqueles suspiros que se dá para tentar recuperar o mínimo de energia em um dia demasiadamente cansativo.

"O que está acontecendo, meu amor? Se você não conversa comigo eu não tenho como te ajudar."

A moça desabou. Todo seu medo de falar, vergonha e receio de magoar seu amado verteram-se em copiosa cascata de lágrimas; Celso apenas a abraçou; ficaram ali, em silêncio, por quase meia hora; o ombro direito dele encharcado. Quando o abraço terminou ele acariciou o rosto dela com as costas do dedo indicador, depois se levantou e decretou, "Está chegando a hora do filme."

Ainda envergonhada, mas com o coração mais leve (e nada surpresa pelo acolhimento recebido), se levantou e acompanhou o marido de volta ao carro. O cinema ficava em um shopping há 30 minutos de distância. Celso ligou a música e puxou assunto sobre banalidades. Julia respondia naturalmente; não estava dissimulando, mas sim em paz.

O filme se passava em um cenário de aspectos medievais, mas não parecia retratar uma região histórica. Apresentou uma série de conflitos relacionados ao sistema de crenças local e a caça deliberada de alguns grupos de resistência, os quais tentavam propor algumas mudanças nas atividades espirituais e políticas. O filme culminou com um grande exército cercando uma última dupla dissidente, um caído no chão, o outro ajoelhado ao seu lado, ambos extremamente feridos.

"Se nos entregamos, toda lealdade do mundo terá morrido!"

"Se lutarmos também. Morrerá conosco!"

"Não! Se morrermos ela segue intacta. E seguiremos juntos, guardando-a em todos os mundos! Para sempre!"

O homem de joelhos se levantou (…) Os olhares dos amigos não se apartavam. (…) então falou "PARA SEMPRE!"

O homem caído fechou os olhos. Podia-se ver uma lágrima escorrendo.

O homem em pé levantou sua espada uma última vez, enquanto a mão do capitão descia, encarou a multidão e nela mergulhou para nunca mais ser visto.

Celso se emocionou, mas conteve as lágrimas; Julia desabou novamente, recebendo outro grande abraço. Saíram da sala comentando aspectos positivos e negativos da história e decidiram jantar por lá; comeram hambúrgueres artesanais na praça de alimentação.

Retornaram para casa relativamente cedo, com tempo para ver outro filme antes de dormir.

O domingo foi tranquilo; permaneceram em casa, curtindo a preguiça que o dia chuvoso inspirava.

Três semanas se passaram sem mensagens, convites nem encontros no meio da rua. Julia não sentia saudade, ansiedade, qualquer coisa interna que a remetesse ao vizinho, mas não tinha como desprezar completamente sua existência (e o sentimento que evocava), já que o simples fato de sair de casa e notar o outro imóvel, mesmo com a visão periférica, fazia notar que a "coisa" não diminuíra. Foi na segunda-feira da quarta semana que Celso chegou em casa informando que esbarrou com o vizinho no metrô, enquanto retornava para casa. Compartilhou algumas discussões políticas que tiveram e apresentou um novo convite, agora para o aniversário de Vitor, que seria na quinta, com comemoração no sábado. Julia não tinha bons motivos para apresentar, concordando com a visita; Novamente um churrasco; novamente levariam cerveja. Combinado tudo na própria segunda Julia passou o resto da semana sem lembrar da coisa; ausência de medo, …

Continua em Vizinho (parte 6)

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