domingo, 10 de setembro de 2023

#Verborragia: Efêmero (2)

As trevas eram quase plenas, salvo o retângulo quase imperceptível de um cinza muito escuro que vinha da janela. O tom seria, noutras circunstâncias, facilmente tomado por preto, não fosse o contraste com o escuro que o circundava.

O retângulo não era perfeito, não era folha de papel "em branco". Era preenchido por uma figura, a silhueta da amada, debruçada na janela observando algo além.

"Volte pra cá.", apelava o observador.

"Temos todo o tempo do mundo.", adiava a moça na janela. "Você sabe o que é efêmero?", interrogou a moça, enquanto observava uma estrela, a única observável, por uma fresta que se formou no céu nublado.

"Claro que sei!", protestou o observador. "É o que acaba de acontecer por aqui. E já se foi. E gostaria que voltasse."

"Outro dia li algo que me perturbou!", inferiu a moça, mas em seguida ajustou " 'perturbou' não é a melhor palavra, pois não foi algo ruim. Me abalou. Mexeu comigo."

"E o que era?"

"Não lembro exatamente as palavras. Lembro que disse que coisas não efêmeras são ilusões. Tudo é efêmero."

"Claro que não. Meu amor por você não é efêmero. Isso que temos não é efêmero, mesmo que nossos encontros sejam."

"A nossa vida é muito curta. Mesmo que ficássemos juntos a vida inteira, seria uma coisa efêmera. E nada garante que fiquemos juntos uma vida inteira."

"O que temos é especial."

"Você já disse isso para outras mulheres e eu já escutei de outros caras. Não quero dizer que vocês mintam. Enquanto estão dizendo, acreditam. Mas passa. É efêmero."

O sujeito sabia que ela tinha razão. Se sentou na cama. Não foi até ela. Agradava o pálido A4 da janela e o desenho dos contornos da amada.

"Eu consigo te entender. Mas isso tudo parece triste. Pessimista."

"Agora me sinto triste. Mas na hora que li, não estava. A 'efemeridade' não parecia ruim. Dava sentido às coisas."

Ele ficou dividido entre dois desejos imensos: o de abraçá-la e o de observar a insustentável, e belíssima, imagem da silhueta amada no retângulo cinza escuro da janela.

"Todos os amores que tive foram efêmeros ", admitiu o rapaz. "E esse que você cativou também é, termine amanhã, termine em 50 anos. "

Ele decidiu guardar a imagem no coração e caminhar até a moça, abraçando-a por trás, observando o céu com ela.

"Aquela estrela está no passado.", ele incluiu "assim como nossos encontros, ou os encontros que tivemos com outros, antes de ficarmos juntos. Tivemos outros encontros até depois de nos conhecer. Esse relacionamento está atrasado."

A moça riu.

"Você disse que não estávamos atrasados. Falou de tempo certo para as coisas. Falou que antes não teríamos dado certo."

"E eu ainda acredito nisso. Eu demorei décadas para te conhecer. Amei muita gente antes. Amei algumas pessoas depois. Você também."

Ela riu, mais constrangida que realmente achando graça. Ele seguiu.

"Achei pessoas que discordavam de mim. Achei quem concordasse. Encontrei pessoas cujos assuntos pareciam perfeitos..."

Ele parou. Olhou o céu. Suspirou.

"Mas?", ela provocou.

"Eu amei muita gente. E vou amar de novo, se você for embora. Mas há algo aqui que nunca encontrei. Se é efêmero, se você garante que nem isso é eterno, essa é a efemeridade que eu escolho."

Ela não disse nada. Esperou a sequência.

"Tudo faz sentido agora. Eu nunca disse que te amava eternamente. Faz sentido. Nada é eterno. Tudo é efêmero. Mas te amo infinitamente."

Ela suspirou. Ele seguiu.

"Quando você concorda comigo, me sinto confiante, quando você discorda, eu aprendo, quando você vem, me alegro, quando se ausenta, eu amadureço. Eu nunca acreditei nesse papo de 'conexão', mas é isso que eu sinto com você. Nunca senti antes. Não senti depois. Efêmero ou não, é real. É profundo."

Ficaram em silêncio.

Ela estava de costas pra ele. Abraçou seus braços, como se tentasse prendê-lo ali.

"Eu não lembro como o texto terminava."

"Tudo bem. Garanto que não cai no vestibular."

Ambos riram.

Uma risada efêmera, que terminou, seguida do fim da noite, da semana, dos anos.

Uma vez um jovem olhou para o céu estrelado e perguntou ao avô qual era o nome da bela estrela vermelha ali no meio do céu.

O avô respondeu que o nome não importava, mas sim o fato dela ter devorado alguns planetas ao redor.

"Que coisa horrível, vovô!"

"Não. Não. Claro que não. Tudo precisa acabar. Aqueles mundos se foram. Eram efêmeros. O Amor não. O amor era infinito."


Nota:

Leia Efêmero 

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