"Sade, dit-moi", dizia a sensual voz feminina na canção executada pela playlist aleatoriamente selecionada, enquanto se buscava músicas dos anos 90.
"Só agora noto o que se diz!", Paulo comentou, espontaneamente.
"O quê você disse?", questionou Rosana, perdida em seu próprio mundo interno, alheia ao interlocutor e à canção.
"Essa música. Eu a escutava na adolescência, mas não compreendia o "Sade, dit-moi". Para mim a sonoridade, logo, o significado, era 'Saint! Démon!'. "
"Volte, por favor. Eu estava distraída."
Repassada a música, completou:
"Acho que eu teria compreendido o mesmo que você. Não tínhamos internet para procurar letras e traduções, né?"
"Era algo muito germinal. Nem todo mundo tinha acesso."
"Talvez fosse a intenção. Um jogo de palavras. Um trocadilho em francês. Sei lá."
"Vou me sentir mais confortável assumindo que é um jogo de palavras; não mera insuficiência dos meus ouvidos."
Riram.
"Você não vai pesquisar?"
"Não. Acho mais interessante o que poderíamos concluir discutindo, do que lendo as conclusões de desconhecidos."
"E o que quer discutir?"
"Eu lembro do clipe. Um cara com uma pena, escrevendo, cochila sobre o papel. Deve ser o tal do Sade. Nas imagens seguintes, o sonho dele, eu acho: imagens alternadas de um monge e uma moça."
"Acho que também lembro de algo assim. O que sabe sobre o Marques de Sade?"
"Quase nada. Nunca li seus textos. Sei que produzia algo relacionado à sexualidade e violência. Não sei bem. Mas imagino que daí que veio o termo 'sadismo'. "
"Faz sentido. Fiz um trabalho sobre ele, na época da escola. Ele é considerado filósofo. Acho que os textos exageradamente sexualizados eram um tipo de crítica à hipocrisia da época."
"Interessante. Um curiosa época de demônios disfarçados de santos, não?"
"SIIIMMMMM. Acho que isso há o tempo todo. Mas naquela época, com a força que a igreja tinha no inconsciente e imaginário geral, a coisa toda era muito mais pesada."
"Um enigma, não? A santidade sequer deveria ser uma meta humana e quem a menos pratica é, justamente, quem mais a evoca e incentiva. Coisa de demônios, mesmo."
"Pois é. Hipocrisia é a lei. Mas o que você tem contra santidade?"
"É outro enigma. Quem disse que deveríamos ser santos? E o que é 'ser santo'? Quem elaborou a lista de 'pode' e 'não pode' que vai validar se eu sou santo ou não?"
"Isso não é um enigma. Você sabe as respostas a todas essas perguntas?"
"Sim. Concordo. O enigma que deriva delas é: Deus, ou os deuses, quer mesmo que eu seja santo? E se quer, quer que eu seja dentro destas definições? O que Deus, ou os deuses, querem de mim de verdade?"
"Sade, dit-moi!"
"E, considerando ser possível fazer o que Deus quer, como obter as características que Ele espera de mim?"
"Sade, donne-moi!"
" 'Cê' vai ficar só cantando?"
"Qu'est-ce que tu vas chercher?"
"Eu quero entender o que é o bem e o mal. Não é esse o enigma da existência?"
"Quelle est ta religion? Où sont tes fidèles?"
"Eu não falo francês!"
"Nem eu. Só gostei da sonoridade."
Riram."
Para onde vamos agora? Qual a conclusão?"
"Nem todo enigma tem resposta. E o sujeito que criou este não é muito de se abrir."
Ela apresentou um semblante de "QUÊ?!?!?!?!?!?"
"Deus. Se existe Deus, ou deuses, o enigma é criação dele, ou deles. E essa turminha não é muito conversadora. Quando uma pessoa faz uma 'charada' muito difícil a gente tem a prerrogativa de dizer 'desisto', e a pessoa dá a resposta. Ele, ou eles, não."
"Eu acho que a vida, o mundo, tudo é muito bonito para que a nossa existência seja definida por uma interminável lista de 'não pode!'. Seria trabalho demais para os deuses criaram tudo isso só para proibir."
"Faz sentido. Talvez a vida exista para ser desfrutada."
"Faz sentido."
" 'Saint! Démon!' "
"Lá vem ela de novo."
"Sade j'ai compris!"
"Isso é novo."
"Daqui pra frente, tudo é."
"That'll make you reach the sky!"
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