"Sabe? Eu não sei o que estou fazendo aqui."
"Como assim?"
"Assim."
"Seja mais específico. 'Aqui' neste lugar? 'Aqui' no mundo? Na vida."
"Acho que tudo isso."
Continuo sem entender."
"Eu também não entendo. Só não sei o que estou fazendo. Me sinto perdido."
"Quer conversar sobre isso?"
"Não é o que estamos fazendo?", ele disse, enquanto sorria sem graça.
"Não exatamente. Você está evasivo."
"Me desculpe. Não é intencional. Só não sei como organizar o raciocínio."
"Comece pelo começo, ué."
"No princípio era o verbo…"
"Não esse começo!"
"Então uma grande explosão…"
"PARE SEU BOBO!"
"Desculpe. Me sinto no escuro. Lembra quando conversamos sobre xadrez?"
"Claro."
"Lembra aquela coisa se enxergar vários movimentos à frente?"
"Sim"
"É como se a luz tivesse sido obstruída. Não vejo os movimentos seguintes, na rua, na vida, nesse diálogo."
"Não é a primeira vez que acontece, certo?"
"Certo."
" É uma coisa cíclica. Imagino que todos tenhamos estes momentos, de tempos em tempos. Como você o superou, nas outras vezes?"
"Não sei. Tudo fica mais simples depois que passa. Mas parece intransponível enquanto acontece."
"Só não se sinta sozinho."
"Não me sinto. Não estou sofrendo. Não estou triste. Só estou no escuro."
"Vai passar!"
"Como sabe?"
"Porque vou ficar aqui até passar."
"Obrigado."
"Você falou de luz. Consegue identificar o quê a está obstruindo?"
"Muito provavelmente a lua."
Os dois riram. Ela aproveitou.
"A gente passa anos esperando essa 'obstrução', não é? E ficamos fascinados pela imagem no ápice dela?"
"O anel?"
"Isso mesmo. Uma beleza única, impossível de reproduzir, escondida lá no fundo do momento mais escuro."
"Faz sentido."
"Agora você precisa localizar qual é a beleza escondida no seu momento."
"Muito provavelmente essa conversa."
Ela sorriu.
"A sua presença aqui. Seu afeto."
Ela o abraçou.
Quando o Sol voltou só havia silêncio e contemplação.
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