sábado, 16 de dezembro de 2023

#Verborragia: Sussurro

No escuro escutava o quase inaudível som de respiração. Ouvia também, ou sentia, o próprio coração.

O escuro não era completo. Era aquele suave tom de cinza natural de quando se insiste em manter os olhos fechados, embora já tenha amanhecido.

Desfrutou, por alguns instantes, da simples realidade de existir ali, no quase silêncio, no quase escuro, no quase frio.

O tato denunciava a presença de lençóis, os quais retinham parte do calor do corpo, mantendo-o quase aquecido. Era um suave frio matinal, quase agradável.

As pontas dos dedos, tocando as costas de uma mão que não era sua, confirmavam, sem surpresa, a presença da outra pessoa, dona da respiração, quiçá do coração. Quase desejou parar o tempo. Quase desejou não acordar, temendo estar sonhando.

Desfrutou, por alguns instantes, das lembranças que garantiram o fato, o encontro, a presença. Quase abriu os olhos.

Irrefletidamente, moveu o polegar sobre a mão alheia, convertendo em ato o afeto que lhe dominava. Quase carinho.

Respirou fundo. Aquela tomada de fôlego que se dá diante do mar ou ao visitar um bosque, como se o contentamento de estar ali pudesse ser tratado. Encheu os pulmões de "ali". Quase de "ela".

Se existisse quem o assistisse, notaria em seu rosto um quase sorriso. Não me intérprete mal. O "quase" ali não era por quase felicidade ou quase alegria, ambas plenas, nada de quase. Só sorriso que foi discreto, contido, comedido, como se tentasse esconder a quase euforia. Respirou fundo novamente, quase convencido a iniciar o dia. O polegar, quase despercebido, seguia seu balanço. Carinhoso afeto. Quase beijo.

Desfrutou, por alguns instantes, daquele curioso e raro prazer que vem quando se nota que a vontade de dizer "eu te amo" transborda do coração espontaneamente, quase agressivamente. Não por hábito ou costume.

Quando abriu os olhos, quase relutante, não existia mundo. Apenas um rosto, tão perto que era quase tudo o que se via, de uma moça que quase acordada, sonhando com sabe-se lá que alegria. Parecia que quase ria.

O cabelo, longo, castanho, quase penteado, descia, quase em cascata, contornando o lado do rosto. Quase cobria a boca. 

Com o olhar e o coração, percorreu cada detalhe do rosto, quase decorando-o.

Separou a mão da mão que afagava, apenas para, com as costas do médio e do indicador, tocar suavemente, da têmpora à bochecha.

Um leve movimento reflexo denunciou que ele a acordara, quase arrependido.

Os olhos, lindos, castanhos, imensos, se abriram devagar, quase preguiçosos.

No encontro dos olhares, dois sorrisos, agora plenos, completos, nada de quase.

Ela respirou fundo, sem pesar ou cansaço. Parecia desfrutar, por alguns instantes, do simples fato de estar ali. De estar com ele.

Quase nada no mundo deve ser capaz de superar aquele aspecto. Aquele olhar de "me dá mais cinco minutos". Quase sono. Quase domingo.

O "bom dia" veio quase inaudível. Quase "eu te amo", quase oceano. Um sussurro.


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