sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (10)


- E as sombras?
- Hoje é terça. Elas nunca vêm às terças!
Desta vez foi o gigante quem se permitiu um momento de humor, relaxando o pomposo discurso que manteve até então. Os três se entreolharam e começaram a rir. Ninguém mais sabia que dia era aquele. De fato, o Sol concluiu seu caminho para o Oeste sem que a névoa se formasse. Antes que a penumbra desse lugar ás trevas, Peregrino desejou uma noite pacífica aos novos amigos, retornou alguns metros rumo ao sul e se deitou bem no meio da estrada, sobre a cruz que desenhara. Os dois andarilhos, confortados pela confiança do terceiro homem, deitaram-se por ali, olhando o céu limpo e estrelado. Dormiram sem conversar. Havia alguma paz naquela área que os levou a um sono tranquilo e revigorante.
Sem abrir os olhos, sentindo-se totalmente descansado, Marcus foi acordado por um ruído estranho, baixo e distante, mas repetitivo. Logo imaginou estar no hospital, por isso permaneceu alguns minutos com os olhos cerrados, tentando fixar em sua mente as experiências do dia anterior. Por um momento desejou permanecer com o Peregrino, rechaçando a idéia de abrir os olhos e se deparar com o quarto branco. Vencido pela curiosidade sobre a causa do ruído, abriu os olhos, os quais encontraram o céu azul marinho que antecedia o amanhecer. Levantando-se percebeu que ainda estava na muralha. Valdomiro ainda dormia, mas Peregrino estava de joelhos, raspando o chão com o que parecia ser, àquela distância, uma pedra pontuda. Levantou-se e foi até o homem, confirmando que estava reforçando o desenho da cruz. O céu do leste estava manchado de laranja, anunciando o Sol vindouro.
- Dormiu bem? Perguntou o homem ajoelhado
- Como nunca, desde que cheguei aqui.
- Chegou? De onde?
- Da minha vida!
- Você está morto?
- Ou louco! Não sei!
- Você não chegou aqui vindo de “outra vida”. Aqui é sua vida. Quando vai de sua casa ao trabalho você não abandonou uma vida em troca de outra, apenas se moveu entre lugares diferentes, ambos contidos na mesma e única vida, a sua!
- Se é assim, por que antes me chamou de “homem de duas vidas”?

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