- E as sombras?
Desta vez foi o gigante quem se permitiu um momento de humor, relaxando o
pomposo discurso que manteve até então. Os três se entreolharam e começaram a
rir. Ninguém mais sabia que dia era aquele. De fato, o Sol concluiu seu caminho
para o Oeste sem que a névoa se formasse. Antes que a penumbra desse lugar ás
trevas, Peregrino desejou uma noite pacífica aos novos amigos, retornou alguns
metros rumo ao sul e se deitou bem no meio da estrada, sobre a cruz que
desenhara. Os dois andarilhos, confortados pela confiança do terceiro homem,
deitaram-se por ali, olhando o céu limpo e estrelado. Dormiram sem conversar.
Havia alguma paz naquela área que os levou a um sono tranquilo e revigorante.
Sem abrir os olhos, sentindo-se totalmente descansado, Marcus foi
acordado por um ruído estranho, baixo e distante, mas repetitivo. Logo imaginou
estar no hospital, por isso permaneceu alguns minutos com os olhos cerrados,
tentando fixar em sua mente as experiências do dia anterior. Por um momento
desejou permanecer com o Peregrino, rechaçando a idéia de abrir os olhos e se
deparar com o quarto branco. Vencido pela curiosidade sobre a causa do ruído,
abriu os olhos, os quais encontraram o céu azul marinho que antecedia o
amanhecer. Levantando-se percebeu que ainda estava na muralha. Valdomiro ainda
dormia, mas Peregrino estava de joelhos, raspando o chão com o que parecia ser,
àquela distância, uma pedra pontuda. Levantou-se e foi até o homem, confirmando
que estava reforçando o desenho da cruz. O céu do leste estava manchado de laranja,
anunciando o Sol vindouro.
- Dormiu bem? Perguntou o homem ajoelhado
- Como nunca, desde que cheguei aqui.
- Chegou? De onde?
- Da minha vida!
- Você está morto?
- Ou louco! Não sei!
- Você não chegou aqui vindo de “outra vida”. Aqui é sua vida. Quando vai
de sua casa ao trabalho você não abandonou uma vida em troca de outra, apenas
se moveu entre lugares diferentes, ambos contidos na mesma e única vida, a sua!
- Se é assim, por que antes me chamou de “homem de duas vidas”?
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (11)
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