sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (9)


 Quando se viraram, Valdomiro estava terminando de enxugar as lágrimas, já de pé, prestes a chamá-los. Marcus esperou que o gigante dissesse algo sobre a paz, mas nada foi dito. Valdomiro caminhou até eles, mantendo sempre a ponta da lança direcionada ao solo. Não parecia ter qualquer ressentimento para com o homem que o levara às lágrimas.

- Pode usar sua lança agora! Isto foi tudo o que o gigante disse
Valdomiro, parecendo compreender de imediato o significado da ordem, entrou na água e sem grande esforço fisgou um grande peixe. Difícil foi erguê-lo, pois enquanto se debatia parecia dobrar seus não menos de três quilos.
- Isto é um ... Começou Valdomiro
- Milagre? Interrompeu o gigante. E seguiu. Não existem milagres, meu bom amigo. Ou tudo é um milagre. Neste caso, a palavra mais adequada seria “comida”! Hoje não haverá sombra. Hoje vocês são meus convidados.
De algum lugar no interior do pesado manto o homem tirou um objeto comprido embrulhado em um tecido perfeitamente branco. Pegou o peixe das mãos de Valdomiro e ajoelho-se frente ao mar. Ergue as mãos ao céu e fez um agradecimento inaudível. Em seguida, tirou do tecido uma faca longa, perfeitamente afiada e limpa e com ela limpou o peixe e o fatiou, organizando as fatias sobre o próprio pano. As escamas e outras partes não comestíveis do peixe foram atiradas de volta á água, onde se pode observar o movimento de um grande cardume a se banquetear. Os homens se sentaram frente à farta mesa, nada mais que o pano branco estendido no meio da estrada, e comeram até se fartar. Perplexo, Marcus não pode evitar as perguntas:
- Como pode saber que hoje não haverá sombra? E como poderia saber sobre o peixe e a lança? E o papo do coração partido e das duas vidas?
- Calma, meu amigo! Quantas indagações! Uma coisa de cada vez. Eu vejo o mundo com os olhos da Fé, assim, nada mais é mistério! Eu poderia dizer que conheço suas almas, assim pude saber de “vossas fomes”, tanto a do corpo quanto a do espírito.
Valdomiro estava mais impressionado com o peixe.
- Como poderia saber do peixe? E como poderia saber que eu pescava com a lança?
- Do peixe em sempre soube. Estão sempre aqui. A voz que fala da Fé não pode ser calada por coisas pequenas, como a fome. Sobre a lança, eu apenas supus. Bastaria você ter perguntado “Como assim?” e todo o mistério teria se esvaído. Os milagres são criados pelos olhos de quem observa. Eu vejo apenas a vida seguindo, em toda a sua maravilha, e este já é o milagre.

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