sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (7)


Peregrino permaneceu imóvel, estudando-os com os olhos. Parecia enxergar suas almas, tamanha a profundidade de seu olhar. Não era possível imaginar o que estaria passando por sua mente, tampouco a intenção de seus sinais. Respirou tão profundamente que dava a impressão que o vento do meio dia era causado pelo seu “tomar fôlego”. Em seguida, despiu os homens com suas palavras:

- O homem do coração partido não me crê. Eu compreendo! Sua busca será mais demorada, pois deseja encontrar a paz e a paz não deveria ser seu objetivo! O homem de duas vidas, este ainda não sabe o que busca, provavelmente chegará ao que se deve encontrar antes de todos nós!
Os dois andarilhos não foram capazes de dar qualquer resposta. A descrição de quem eram parecia-lhes uma definição ainda mais apropriada que seus nomes, tão caros ao Peregrino. O mistério dos comentários era perturbador. De alguma forma, os três homens sentiam em seu íntimo que aquela revelação, embora nada revelasse diretamente, encerrava o diálogo. Perderam-se em silêncio e pensamentos. Compreensivo, Peregrino deu as costas aos dois, caminhou vagarosamente à margem oeste da muralha e se agachou, com dificuldade que não parecia desencorajá-lo. Valdomiro deu as costas ao Oeste, agachou-se frente ao mar, mas não olhava para nada. As lágrimas poderiam ter salgado todo aquele oceano. Marcus não incomodou o “homem do coração partido”. Caminhou rumo ao mar mas interrompeu seu pé esquerdo quando este estava a menos de três centímetros da superfície da água. Não quis que as ondas de sua caminhada na água perturbassem Valdomiro. Quis congelar o mundo, para que aquele homem encontrasse alguma paz. Deu um passo para trás e começou a caminhar para o Norte, afastando-se dos outros. Sentou-se pensativo, com o olhar fixo na inatingível perturbação na água. “O homem de duas vidas! O que isso pode significar?” era o que pensava. Era evidente que se referia à sua vida na muralha e sua vida no hospital, mas como aquele gigante de fala rebuscada poderia saber disto? E o que mais ele poderia saber? Precisava descobrir mais, mas não era capaz de formular uma pergunta. Percebeu que isto fazia sentido em relação ao que o gigante disse “O homem de duas vidas, este ainda não sabe o que busca...”. Algo o tocou no ombro. Virando-se percebeu que era o manto do gigante, postado em pé ao seu lado, olhando para a perturbação. O silêncio que antecedeu aquele toque era tamanho que pensou se o gigante havia mesmo caminhado até lá ou se teria surgido ali mesmo. Com um movimento da cabeça, indicando o Norte com o maxilar, começou a conversar com Marcus.
- Você poderia ficar aqui. Há muito tempo espero por um aluno. Sobretudo um substituto. Não posso viver para sempre, e você precisa trocar seus fragmentos de vida por uma única vida concreta.
- E o que é concreto?
- Só a Fé. Quando você não tiver mais dúvidas, estará pronto para responder às dúvidas dos que virão.
- E é possível não ter dúvidas? Você não tem dúvidas?
- Tudo o que tenho é a Fé, e ela me basta.
- Por que disse que não pode viver para sempre, se agora pouco disse que estaria sempre aqui. Um dia este corpo ira para o Leste. Um dia tudo vai para o Leste. Mas se você ficar e aprender, você será a Fé! Enquanto a Fé estiver aqui, eu sempre estarei aqui.
- Eu não posso ter Fé. Eu preciso saber!

Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (8)

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