Peregrino permaneceu imóvel, estudando-os
com os olhos. Parecia enxergar suas almas, tamanha a profundidade de seu olhar.
Não era possível imaginar o que estaria passando por sua mente, tampouco a
intenção de seus sinais. Respirou tão profundamente que dava a impressão que o
vento do meio dia era causado pelo seu “tomar fôlego”. Em seguida, despiu os
homens com suas palavras:
- O homem do coração partido não me crê. Eu
compreendo! Sua busca será mais demorada, pois deseja encontrar a paz e a paz
não deveria ser seu objetivo! O homem de duas vidas, este ainda não sabe o que
busca, provavelmente chegará ao que se deve encontrar antes de todos nós!
Os dois andarilhos não foram capazes de dar
qualquer resposta. A descrição de quem eram parecia-lhes uma definição ainda
mais apropriada que seus nomes, tão caros ao Peregrino. O mistério dos
comentários era perturbador. De alguma forma, os três homens sentiam em seu
íntimo que aquela revelação, embora nada revelasse diretamente, encerrava o
diálogo. Perderam-se em silêncio e pensamentos. Compreensivo, Peregrino deu as
costas aos dois, caminhou vagarosamente à margem oeste da muralha e se agachou,
com dificuldade que não parecia desencorajá-lo. Valdomiro deu as costas ao Oeste,
agachou-se frente ao mar, mas não olhava para nada. As lágrimas poderiam ter
salgado todo aquele oceano. Marcus não incomodou o “homem do coração partido”.
Caminhou rumo ao mar mas interrompeu seu pé esquerdo quando este estava a menos
de três centímetros da superfície da água. Não quis que as ondas de sua
caminhada na água perturbassem Valdomiro. Quis congelar o mundo, para que aquele homem encontrasse alguma paz. Deu um passo para trás e começou a caminhar
para o Norte, afastando-se dos outros. Sentou-se pensativo, com o olhar fixo na
inatingível perturbação na água. “O homem de duas vidas! O que isso pode
significar?” era o que pensava. Era evidente que se referia à sua vida na muralha
e sua vida no hospital, mas como aquele gigante de fala rebuscada poderia saber
disto? E o que mais ele poderia saber? Precisava descobrir mais, mas não era
capaz de formular uma pergunta. Percebeu que isto fazia sentido em relação ao
que o gigante disse “O homem de duas vidas, este ainda não sabe o que
busca...”. Algo o tocou no ombro. Virando-se percebeu que era o manto do
gigante, postado em pé ao seu lado, olhando para a perturbação. O silêncio que
antecedeu aquele toque era tamanho que pensou se o gigante havia mesmo
caminhado até lá ou se teria surgido ali mesmo. Com um movimento da cabeça,
indicando o Norte com o maxilar, começou a conversar com Marcus.
- Você poderia ficar aqui. Há muito tempo
espero por um aluno. Sobretudo um substituto. Não posso viver para sempre, e
você precisa trocar seus fragmentos de vida por uma única vida concreta.
- E o que é concreto?
- Só a Fé. Quando você não tiver mais
dúvidas, estará pronto para responder às dúvidas dos que virão.
- E é possível não ter dúvidas? Você não tem
dúvidas?
- Tudo o que tenho é a Fé, e ela me basta.
- Por que disse que não pode viver para
sempre, se agora pouco disse que estaria sempre aqui. Um dia este corpo ira
para o Leste. Um dia tudo vai para o Leste. Mas se você ficar e aprender, você
será a Fé! Enquanto a Fé estiver aqui, eu sempre estarei aqui.
- Eu não posso ter Fé. Eu preciso saber!
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