Valdomiro caminhava perdido em seus próprios pensamentos, inatingíveis em
seu semblante quase inalterado. “Quase”, porque havia algo de tranqüilo em seu
olhar distante, fixo na direção norte. “Ele já está no caminho para a Paz!”,
imaginou Marcus. O silêncio foi quebrado pelo próprio guardião:
- Você não sonhou com o hospital, não é?
Marcus ficou surpreso, mas era verdade, e confirmou com a cabeça. O
guardião seguiu.
- Sabe, Rapaz! Não teve uma noite neste maldito lugar em que eu não tenha
sonhado com minha filha sendo arrastada com aquele vendaval. Eu a via solta no
ar, leve como uma pena ao vento. Via seu desespero. Via o vento trazendo pedras
e todo o tipo de coisa. Tudo isso machucava a minha menina. Minha princesinha.
E eu ficava grudado no chão. O vento não me levava e eu não podia alcançar nem
proteger. Só podia ficar ali, vendo tudo o que eu amava desaparecendo.
- Deve ter sido uma experiência muito dolorosa para o senhor!
- Eram sonhos terríveis, se é isso que quer dizer. Mas não foi uma
experiência! Eu não vi minha filha, no dia do vento. Naquele dia eu estava
cobrindo um colega e não voltei pra casa. Vi o vento desfazendo os prédios e só
pensava “Nossa senhora, guarda a minha casa!”. Acho que a santa levou a coisa a
sério e guardou minha casa tão bem que eu nunca mais a vi. Não sei como minha
menina foi embora. Só sei que se foi.
- Eu entendo. Não quero ser insensível, mas algo mudou no seu sonho, esta
noite?
- Mudou tudo rapaz! Mudou tudo! Hoje eu vi o vento levando minha casa.
Tudo o que reunimos com tanta luta desaparecendo como areia. Mas minha menina
não ia, nem se machucava. Fiquei triste, porque não vi minha senhora, mas ver a
menina me deu um novo ânimo.
- Acha possível que ela esteja ainda aqui?
- Acho que nesse lugar tudo é possível!
Caminhavam mais depressa, não por ansiedade, mas simplesmente pela
disposição renovada. O encontro com o Peregrino havia enchido-os de
expectativa, ainda que não soubessem exatamente o que esperar. Mais uma vez foi
Valdomiro quem percebeu o que escapara aos olhos de Marcus. Em algum ponto da
estrada entre eles e a perturbação na água havia uma minúscula e quase
imperceptível mancha. Marcus teve que redobrar a atenção para perceber que
tratava-se do tênue - e nada próximo – movimento de fumaça. Era uma linha muito
sutil e delicada, como a que se forma quando apagamos uma vela. Subia reta por
alguns milímetros (poderiam ser metros, àquela distância), já que não havia
movimento no ar para perturbá-la. Em seguida se dispersava no ar.
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (13)
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