sexta-feira, 9 de março de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (12)


Valdomiro caminhava perdido em seus próprios pensamentos, inatingíveis em seu semblante quase inalterado. “Quase”, porque havia algo de tranqüilo em seu olhar distante, fixo na direção norte. “Ele já está no caminho para a Paz!”, imaginou Marcus. O silêncio foi quebrado pelo próprio guardião:
- Você não sonhou com o hospital, não é?
Marcus ficou surpreso, mas era verdade, e confirmou com a cabeça. O guardião seguiu.
- Sabe, Rapaz! Não teve uma noite neste maldito lugar em que eu não tenha sonhado com minha filha sendo arrastada com aquele vendaval. Eu a via solta no ar, leve como uma pena ao vento. Via seu desespero. Via o vento trazendo pedras e todo o tipo de coisa. Tudo isso machucava a minha menina. Minha princesinha. E eu ficava grudado no chão. O vento não me levava e eu não podia alcançar nem proteger. Só podia ficar ali, vendo tudo o que eu amava desaparecendo.
- Deve ter sido uma experiência muito dolorosa para o senhor!
- Eram sonhos terríveis, se é isso que quer dizer. Mas não foi uma experiência! Eu não vi minha filha, no dia do vento. Naquele dia eu estava cobrindo um colega e não voltei pra casa. Vi o vento desfazendo os prédios e só pensava “Nossa senhora, guarda a minha casa!”. Acho que a santa levou a coisa a sério e guardou minha casa tão bem que eu nunca mais a vi. Não sei como minha menina foi embora. Só sei que se foi.
- Eu entendo. Não quero ser insensível, mas algo mudou no seu sonho, esta noite?
- Mudou tudo rapaz! Mudou tudo! Hoje eu vi o vento levando minha casa. Tudo o que reunimos com tanta luta desaparecendo como areia. Mas minha menina não ia, nem se machucava. Fiquei triste, porque não vi minha senhora, mas ver a menina me deu um novo ânimo.
- Acha possível que ela esteja ainda aqui?
- Acho que nesse lugar tudo é possível!
Caminhavam mais depressa, não por ansiedade, mas simplesmente pela disposição renovada. O encontro com o Peregrino havia enchido-os de expectativa, ainda que não soubessem exatamente o que esperar. Mais uma vez foi Valdomiro quem percebeu o que escapara aos olhos de Marcus. Em algum ponto da estrada entre eles e a perturbação na água havia uma minúscula e quase imperceptível mancha. Marcus teve que redobrar a atenção para perceber que tratava-se do tênue - e nada próximo – movimento de fumaça. Era uma linha muito sutil e delicada, como a que se forma quando apagamos uma vela. Subia reta por alguns milímetros (poderiam ser metros, àquela distância), já que não havia movimento no ar para perturbá-la. Em seguida se dispersava no ar.

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