sexta-feira, 30 de março de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (15)


Percebeu que Valdomiro parou. Estava já a algum tempo movimentando sua lança para além da borda oeste, tateando, em busca de uma área mais baixa onde pudessem se esconder.
- Aqui, Rapaz! Achei! Rápido!

Os dois desceram com dificuldade até o estreito patamar, pouco mais de um metro mais baixo que o nível da estrada. Agacharam-se com as costas rentes à parede gelada. Braços abraçando joelhos. Os dedos dos pés, balançando rumo ao infinito negro, alertavam sobre o limite daquele pequeno espaço. Novamente tudo negro! Nada à frente dos olhos! Muito pouco atrás deles! A mente parecia tender ao mesmo vazio sugerido pela visão, não fosse uma tênue continuidade da consciência, quase um sonho. Ficaram novamente alertas quando o estrondoso som se produziu no Leste, exatamente como na noite em que Marcus fora arrastado. Novamente o som começou a ganhar cada vez mais força, aproximando-se com fúria e fome. Finalmente, quase desmaiados pela força do som, mas certos de que um momento de inconsciência poderia derrubá-los penhasco abaixo, perceberam os silvos de algo passando com grande velocidade sobre suas cabeças. Era nítida a sensação de que centenas ou até milhares de corpos voavam alucinadamente rumo ao Oeste! Felizmente, o vôo ocorria em linha reta, assim, embora ouvissem vez ou outra o som de algo arranhando o solo da estrada, nada os tocava. A confusão mental causada pela força do ruído, ininterrupto e crescente, impossibilitava qualquer reflexão sobre aqueles eventos, tampouco uma apuração clara do tempo que durava. Quando as pálpebras de Marcus começaram a pesar, exausto que estava, o som tornou-se estável. Em seguida começou a reduzir assim como a frequência dos silvos, cada vez mais espaçados. Silêncio! Marcus percebeu que Valdomiro se levantava e fez o mesmo. Absurdamente cansado, arrastou-se para o meio da estrada. Estava tudo negro, menos uma frágil aura em direção ao nascente. O ataque das sombras durara a noite inteira. Lançou-se ao chão e dormiu imediatamente, com a face junto à rocha nua.
Marcus acordou ainda tonto e com muito sono, mas Valdomiro temia o vento do meio dia e o ponto pálido que evidenciava a presença do Sol já estava quase no meio do céu. Para a felicidade de ambos, Valdomiro não teve dificuldade para pescar e quando chamou Marcus o peixe já estava limpo e cortado em pedaços pequenos. Já sentado, Marcus disse a Valdomiro que sonhara com o hospital. Disse ter-se visto sentado na cama, escrevendo algo em um caderno e conversando com o Dr. Willian. Falou de sonho, pois desta vez a experiência havia sido turva, distante, pobre em detalhes. Não se lembrava das palavras no livro nem da conversa com o médico. Não trazia nada da vitalidade das outras ocasiões. Era, em todos os sentidos, um sonho. Valdomiro resumiu-se em dizer que já havia dito que era um sonho e congratulou Marcus por estar “acordando pra vida”. Revigorados pelo almoço, foram sem dificuldades ao mesmo parapeito no qual haviam se protegido das sombras e esperaram que o vento do meio-dia passasse.

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