- Uma fogueira?
- Tudo é possível! Riu Valdomiro
A novidade não alterou o ritmo da caminhada. Não estavam eufóricos,
apenas tranquilos. Pela proximidade do meio dia Marcus imaginou se não seria
alguém preparando algum tipo de almoço, mas o que estaria queimando? Pensar em
coisas assadas deu-lhe fome, mas não quis perturbar o guardião parando para
pescar. Comeriam mais tarde. Marcus começou a caminhar mais próximo à beirada
oeste, já em busca de algum abrigo, mas algo parecia errado no relógio mental
do guardião, que seguia reto bem no meio da estrada, ignorando o vento
iminente. Marcus começou a ficar tenso. Chamou o guardião, mas este parecia
ignorá-lo, como que em transe.
- Você está bem? Está na hora!
- Hoje não, Rapaz! Hoje não tem vento que me tire do meu caminho!
Marcus ficou impressionado com a súbita fé em “sabe-se lá o que” daquele
homem simples, mas decidiu confiar nele, por mais absurda que fosse aquela
atitude. Mais uma vez a água se movimentou no extremo leste, e isto preocupou
Marcus. O vento chegava com rapidez, claramente visível pelo encurtamento no
espelho d’água até que não existisse mais espelho. O vento forte e impetuoso
agitou as roupas do guardião, mas ele seguia firme. Marcus tentou acompanhar o
passo, mas manteve o corpo quase que deitado para o leste, como uma motocicleta
em curva, tamanha a força do vento que se projetava contra ele. Não entendia o
que se passava com o guardião. Uma onda mais forte do vento o jogou no chão,
quase na beirada oeste do precipício, e mesmo caído continuava a ser arrastado
naquela direção. Quando estava para ser lançado além do parapeito Valdomiro
agarrou sua mão. O corpo do guardião nada sofria. Para ele tudo era uma brisa,
mas para Marcus a ferocidade do vento chegou a tal ponto que seu corpo foi
suspenso do chão. Agarrou firmemente as mãos de Valdomiro e se lembrou do corpo
agarrado ao pilar de metal. A cena era surreal. Marcus parecia uma pipa,
totalmente suspenso no ar preso ao mundo por uma fina linha, as mãos de
Valdomiro, que não parecia se esforçar mais que um garoto segurando linha e
seda numa tarde de verão. Valdomiro deu alguns passos para trás, retornando ao
centro da estrada, enquanto o vento se atenuava, de forma que Marcus pousou
suavemente, em pé no caminho. Valdomiro foi quem falou, mas as palavras eram
(ou pareciam ser) do Peregrino:
- Determinação, Rapaz! Você ainda não sabe aonde quer ir, por isso nada
de prende aqui.
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (14)
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