Folhas brancas empilhadas
sobre a mesa. Uma caneta azul de marca barata, destas que surgem sem ser
compradas e desaparecem da mesma forma. Bem, as folhas não eram totalmente
brancas. No verso, figuras, gráficos, relatórios, todo o tipo de impressão, importantes
em um momento, inúteis no seguinte. O espaço em branco na face oposta à
impressão representava um oceano de possibilidades. Era como vislumbrar o
próprio espaço que antecede a criação de um Universo, supondo ser possível
falar de espaço na ausência de um Universo.
Neste espaço branco a minúscula
esfera derramaria sua tinta azul ao mesmo tempo que o imenso espírito
derramaria sua criatividade. Mas como falar de imenso para descrever algo sem
tamanho? Quanto espaço ocupa um espírito? Qual o tamanho das idéias que dele
nascem ou nele se armazenam? Qual o limite para criação e estocagem de vida?
Ainda assim se sentia como se fosse ele mesmo um espaço, dentro do qual sonhos
e ilusões orbitavam lembranças e sentimentos. Um Universo se expandindo ininterruptamente
em seu próprio espaço ilimitado.
Refletiu sobre espaço e esferas:
Seus papéis lançados sobre a mesa repousavam sobre um mundo esférico; o mundo
orbitava ao redor de uma estrela esférica; a imagem da estrela nascente era
captada por seus olhos, esferas que funcionavam como portais carregando
impressões do Universo exterior para o Universo interior. Nas mãos, um
instrumento simples, em sua ponta, uma espera sabe-se lá quantas vezes menor
que o Sol. Ainda assim, também ela era um portal, prestes a transpor impressões
do Universo interior para o exterior. Esferas, órbitas, espaços.
Decidiu escrever sobre o
nascer do Sol; Luz preenchendo o espaço no mundo, tudo invisível instantes
atrás, depois contornos avermelhados, depois mundo e Vida. Escrever sobre o Sol
descortinando o mundo era, um pouco, ser um sol descortinando seu próprio
mundo. Ambos derramavam luz sobre o novo, sobre as possibilidades, sobre o “vir
a ser!”. Curiosamente, a esfera não era mais um Portal levando algo de um
Universo a outro, mas uma divindade, pois vertia tinta azul e algo que não
existia em nenhum dos Universos os quais conectava. Um mundo novo a ser
explorado. Letras se atraiam com força gravitacional, criando aglomerados e
espaços entre os aglomerados. Outros planetas, outras estrelas, esferas, mundos
e espaços. Ali, nascia o Sol capitado pelas retinas de olhos que se abriam pela
primeira vez. Inspirado pela beleza que via, o dono deste novo olhar se
ajoelhou sobre a esteira. Abaixo, areia, acima, uma pequena pirâmide negra,
talvez um pedaço de carvão esculpido em formas triangulares e pergaminhos feitos
de vegetais cozidos e prensados.
Naquela noite havia sonhado
com um mundo novo. Agarrou a pirâmide, uma das faces contra a palma da mão; com
o “pico” da pirâmide riscou o pergaminho, mas não escreveu o que sonhou. Linhas
e pontos que se entrecruzavam em uma linguagem única. Escreveu sobre uma manhã
cinzenta. Não se via o Sol. Pessoas vazias aglomeravam-se em suas estranhas
moradas cúbicas. Neste mundo vazio e quase inóspito alguém olhava para um cubo
que emitia luz e palavras, não quaisquer palavras, mas aquelas que o observador
derramava sobre uma “tábua de cubos”. Cada pequeno cubo tocado levava ao cubo
de luz, consideravelmente maior que os cubos da “tábua”, um caractere. O homem
sobre a esteira não descreveu os caracteres, mas aquilo que exprimiam: “Espaços”
foi a palavra que inaugurou aquele pergaminho.
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