sexta-feira, 12 de julho de 2013

Conto - Espaços

Folhas brancas empilhadas sobre a mesa. Uma caneta azul de marca barata, destas que surgem sem ser compradas e desaparecem da mesma forma. Bem, as folhas não eram totalmente brancas. No verso, figuras, gráficos, relatórios, todo o tipo de impressão, importantes em um momento, inúteis no seguinte. O espaço em branco na face oposta à impressão representava um oceano de possibilidades. Era como vislumbrar o próprio espaço que antecede a criação de um Universo, supondo ser possível falar de espaço na ausência de um Universo.

Neste espaço branco a minúscula esfera derramaria sua tinta azul ao mesmo tempo que o imenso espírito derramaria sua criatividade. Mas como falar de imenso para descrever algo sem tamanho? Quanto espaço ocupa um espírito? Qual o tamanho das idéias que dele nascem ou nele se armazenam? Qual o limite para criação e estocagem de vida? Ainda assim se sentia como se fosse ele mesmo um espaço, dentro do qual sonhos e ilusões orbitavam lembranças e sentimentos. Um Universo se expandindo ininterruptamente em seu próprio espaço ilimitado.
Refletiu sobre espaço e esferas: Seus papéis lançados sobre a mesa repousavam sobre um mundo esférico; o mundo orbitava ao redor de uma estrela esférica; a imagem da estrela nascente era captada por seus olhos, esferas que funcionavam como portais carregando impressões do Universo exterior para o Universo interior. Nas mãos, um instrumento simples, em sua ponta, uma espera sabe-se lá quantas vezes menor que o Sol. Ainda assim, também ela era um portal, prestes a transpor impressões do Universo interior para o exterior. Esferas, órbitas, espaços.
Decidiu escrever sobre o nascer do Sol; Luz preenchendo o espaço no mundo, tudo invisível instantes atrás, depois contornos avermelhados, depois mundo e Vida. Escrever sobre o Sol descortinando o mundo era, um pouco, ser um sol descortinando seu próprio mundo. Ambos derramavam luz sobre o novo, sobre as possibilidades, sobre o “vir a ser!”. Curiosamente, a esfera não era mais um Portal levando algo de um Universo a outro, mas uma divindade, pois vertia tinta azul e algo que não existia em nenhum dos Universos os quais conectava. Um mundo novo a ser explorado. Letras se atraiam com força gravitacional, criando aglomerados e espaços entre os aglomerados. Outros planetas, outras estrelas, esferas, mundos e espaços. Ali, nascia o Sol capitado pelas retinas de olhos que se abriam pela primeira vez. Inspirado pela beleza que via, o dono deste novo olhar se ajoelhou sobre a esteira. Abaixo, areia, acima, uma pequena pirâmide negra, talvez um pedaço de carvão esculpido em formas triangulares e pergaminhos feitos de vegetais cozidos e prensados.

Naquela noite havia sonhado com um mundo novo. Agarrou a pirâmide, uma das faces contra a palma da mão; com o “pico” da pirâmide riscou o pergaminho, mas não escreveu o que sonhou. Linhas e pontos que se entrecruzavam em uma linguagem única. Escreveu sobre uma manhã cinzenta. Não se via o Sol. Pessoas vazias aglomeravam-se em suas estranhas moradas cúbicas. Neste mundo vazio e quase inóspito alguém olhava para um cubo que emitia luz e palavras, não quaisquer palavras, mas aquelas que o observador derramava sobre uma “tábua de cubos”. Cada pequeno cubo tocado levava ao cubo de luz, consideravelmente maior que os cubos da “tábua”, um caractere. O homem sobre a esteira não descreveu os caracteres, mas aquilo que exprimiam: “Espaços” foi a palavra que inaugurou aquele pergaminho.

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