Muito tempo atrás, quando o
espírito do homem era jovem e a inquietude frente aos mistérios da vida sobrepujava
a indiferença, existiu um velho que peregrinava pelo mundo compartilhando seu
espanto. Poucos sabiam seu nome, mas todos o reconheciam quando se aproximava: “’O
Sábio’ está chegando ao nosso vilarejo”, diziam uns, “Foi com ‘O Sábio’ que
aprendi isto!”, suspiravam outros.
Certa vez, havia caminhando
em silêncio um dia inteiro, afastando-se de uma aldeia até atingir o sopé de
uma montanha. Muitos moradores da região o seguiram, esperando aprender algo
importante ou até mesmo assistir algum feito sobrenatural. Mas o Sábio não era
um mágico. Ou, por outro lado, era o verdadeiro mago, aquele capaz de perceber
que tudo é magia. Naquela noite era possível enxergar os arredores com
facilidade, pois a lua cheia derramava o brilho que recebia do Sol sem o mínimo
sinal de egoísmo. Vendo que os ouvintes se preparavam para acender uma
fogueira, o Sábio fez sinal com as mãos para que se detivessem:
- O fogo nos protege do frio
e dos animais, mas hoje não está frio, e as feras não atacarão tão cedo. Concedamo-nos
algum tempo para contemplar a beleza deste luar.
- Quanto tempo?- perguntou um
homem, já frustrado pela longa caminhada em silêncio, deixando claro que não
queria esperar mais, nem contemplar nada; estava ali para ouvir.
- O tempo que for
necessário.
- Temos este luar todos os
meses. Viemos aqui pelo senhor – protestou uma jovem mulher
- Se ainda não aprenderam o
valor e a beleza deste luar, que está sempre com vocês, o que de valor poderão
aprender comigo, que os deixarei em breve?
- A Lua é linda, senhor. Nós
sabemos. Não pense que a desprezamos. Mas não podemos desperdiçar o pouco tempo
que teremos com o senhor.
- Mas o que é o Tempo?
Silêncio. Empregavam a
palavra diariamente, mas nenhum deles se julgou capaz de oferecer alguma
definição. Um pouco por se sentirem constrangidos, acreditando que pareceriam
tolos ao tentar ensinar algo ao Sábio mas, sobretudo, calaram-se por perceber
que jamais haviam parado para pensar o que realmente era o tempo. O Sábio
continuou:
- A caminhada até aqui durou
quatro vigílias ¹, mas sei que no coração de cada um dos senhores demorou dias
inteiros. Agora que chegamos a este local, poderíamos passar a noite inteira
conversando, dormindo ou admirando a lua. Em qualquer caso, teriam se passado as
mesmas quatro vigílias, ainda assim muitos sairiam se queixando da brevidade
destes momentos. Como isto é possível?
Novamente silêncio. Todos
sabiam que o tempo era o mesmo. Todas as crianças já haviam brincado de contar
as gotas de baldes furados, assim como todos os adultos já haviam visto o “guardião
das sombras” ². Uma anciã tomou a palavra:
- Quando eu era jovem rezava
aos deuses para que os dias e meses passassem logo. Queria que se antecipasse a
época das festas. Hoje oro para que o dia não termine, temendo que seja o
último.
- O tempo, neste mundo de
luzes e sombras no qual vivemos, é sempre o mesmo, frio, vazio, muito mais uma
forma que uma existência real: É uma casca. Dentro de nossa alma, porém, que é
um mundo inteiramente à parte e, mais, muitos mundos, luas e sóis todos eles
existindo neste universo que cada um de nós é, o tempo é vivo. Ele se move e
flui ao sabor de nossos sonhos, desejos, prazeres e sofrimentos. Um único dia
para quem perdeu as esperanças na vida pode pesar como uma eternidade inteira
em um inferno, assim como toda uma vida pode parecer ter passado como o soprar
a uma vela. Não meçam o tempo com água, sombras nem com areia. Meçam o
significado de cada momento de suas vidas. Valor e quantidade não são
sinônimos.
Todos se sentaram para
admirar a lua lamentando a extrema velocidade com a qual se dirigia para trás
das montanhas.
Nota:
¹ Naquela época não mediam o
tempo como hoje. Não havia o conceito de “hora”. O dia era dividido em 8
ciclos, cada qual equivalente a três de nossas horas. Um dia durava 4 ciclos e
uma noite, outros quatro. Cada ciclo recebia o nome de “vigília”.
² Nome dado há um pequeno
obelisco construído em um templo próximo à capital. Marcas no chão marcavam a
passagem das vigílias através das sombras projetadas.
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