sexta-feira, 26 de julho de 2013

Conto - O Sábio e o Tempo

Muito tempo atrás, quando o espírito do homem era jovem e a inquietude frente aos mistérios da vida sobrepujava a indiferença, existiu um velho que peregrinava pelo mundo compartilhando seu espanto. Poucos sabiam seu nome, mas todos o reconheciam quando se aproximava: “’O Sábio’ está chegando ao nosso vilarejo”, diziam uns, “Foi com ‘O Sábio’ que aprendi isto!”, suspiravam outros.

Certa vez, havia caminhando em silêncio um dia inteiro, afastando-se de uma aldeia até atingir o sopé de uma montanha. Muitos moradores da região o seguiram, esperando aprender algo importante ou até mesmo assistir algum feito sobrenatural. Mas o Sábio não era um mágico. Ou, por outro lado, era o verdadeiro mago, aquele capaz de perceber que tudo é magia. Naquela noite era possível enxergar os arredores com facilidade, pois a lua cheia derramava o brilho que recebia do Sol sem o mínimo sinal de egoísmo. Vendo que os ouvintes se preparavam para acender uma fogueira, o Sábio fez sinal com as mãos para que se detivessem:
- O fogo nos protege do frio e dos animais, mas hoje não está frio, e as feras não atacarão tão cedo. Concedamo-nos algum tempo para contemplar a beleza deste luar.
- Quanto tempo?- perguntou um homem, já frustrado pela longa caminhada em silêncio, deixando claro que não queria esperar mais, nem contemplar nada; estava ali para ouvir.
- O tempo que for necessário.
- Temos este luar todos os meses. Viemos aqui pelo senhor – protestou uma jovem mulher
- Se ainda não aprenderam o valor e a beleza deste luar, que está sempre com vocês, o que de valor poderão aprender comigo, que os deixarei em breve?
- A Lua é linda, senhor. Nós sabemos. Não pense que a desprezamos. Mas não podemos desperdiçar o pouco tempo que teremos com o senhor.
- Mas o que é o Tempo?
Silêncio. Empregavam a palavra diariamente, mas nenhum deles se julgou capaz de oferecer alguma definição. Um pouco por se sentirem constrangidos, acreditando que pareceriam tolos ao tentar ensinar algo ao Sábio mas, sobretudo, calaram-se por perceber que jamais haviam parado para pensar o que realmente era o tempo. O Sábio continuou:
- A caminhada até aqui durou quatro vigílias ¹, mas sei que no coração de cada um dos senhores demorou dias inteiros. Agora que chegamos a este local, poderíamos passar a noite inteira conversando, dormindo ou admirando a lua. Em qualquer caso, teriam se passado as mesmas quatro vigílias, ainda assim muitos sairiam se queixando da brevidade destes momentos.  Como isto é possível?
Novamente silêncio. Todos sabiam que o tempo era o mesmo. Todas as crianças já haviam brincado de contar as gotas de baldes furados, assim como todos os adultos já haviam visto o “guardião das sombras” ². Uma anciã tomou a palavra:
- Quando eu era jovem rezava aos deuses para que os dias e meses passassem logo. Queria que se antecipasse a época das festas. Hoje oro para que o dia não termine, temendo que seja o último.
- O tempo, neste mundo de luzes e sombras no qual vivemos, é sempre o mesmo, frio, vazio, muito mais uma forma que uma existência real: É uma casca. Dentro de nossa alma, porém, que é um mundo inteiramente à parte e, mais, muitos mundos, luas e sóis todos eles existindo neste universo que cada um de nós é, o tempo é vivo. Ele se move e flui ao sabor de nossos sonhos, desejos, prazeres e sofrimentos. Um único dia para quem perdeu as esperanças na vida pode pesar como uma eternidade inteira em um inferno, assim como toda uma vida pode parecer ter passado como o soprar a uma vela. Não meçam o tempo com água, sombras nem com areia. Meçam o significado de cada momento de suas vidas. Valor e quantidade não são sinônimos.
Todos se sentaram para admirar a lua lamentando a extrema velocidade com a qual se dirigia para trás das montanhas.
Nota:
¹ Naquela época não mediam o tempo como hoje. Não havia o conceito de “hora”. O dia era dividido em 8 ciclos, cada qual equivalente a três de nossas horas. Um dia durava 4 ciclos e uma noite, outros quatro. Cada ciclo recebia o nome de “vigília”.

² Nome dado há um pequeno obelisco construído em um templo próximo à capital. Marcas no chão marcavam a passagem das vigílias através das sombras projetadas.

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