sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Conto - O Sábio e os Ciclos

Tempos atrás houve um menino. Um dia viria a ser chamado "O Sábio", mas naquele momento era apenas um menino. Cresceu assistindo o ciclo das estações. Em certa época do ano as folhas caiam, os arbustos secavam, boa parte da plantação morria. Seu pai não lamentava: "Sempre foi assim…" dizia, "… e sempre vai ser assim. Precisamos cumprir nosso papel nestes ciclos até o dia em que nosso próprio ciclo chegar ao fim."
- E o que acontece no fim, pai?

- Saudade, meu pequeno. Saudade. Para onde foram as rosas que sua mãe plantou bem ali?
- Morreram. Eu odeio o inverno!
- Não fale um absurdo destes, meu pequeno. Se não fosse o inverno, que valor teriam as rosas? Sem a falta, não há valor no presente.
- Mas eu quero vocês sempre comigo. Não quero vocês como estas flores.
O pai varria flores, folhas e gravetos secos com uma vassoura rústica. Depois apanhava o material com as mãos e o levava ao monte formado pelo resultado da limpeza de todo o jardim.
- Não consigo pensar em vocês mortos e jogados fora como estas folhas.
- Mas quem disse que estão mortas, meu pequeno? Quem as descartou? Todo este monte está repleto de vida, a mesma vida que tomou emprestado das folhas que reuni no ano passado. A mesma vida que cederá às flores que nascerão na próxima primavera.
- Então não é o fim?
- Claro que não, meu pequeno. O fim de um ciclo é apenas isto, o fim de um ciclo. Quando sua mãe e eu terminarmos nosso ciclo, estaremos eternamente vivos, eternamente ao seu lado, através da vida que compartilhamos com você durante este ciclo.
- Já ouvi crianças dizendo que seus avós foram para o Palácio de Erebathor.  Outros dizem que viraram animais para pagar seus pecados. Para onde vamos, pai?
- Meu pai, seu avó, me ensinou que a morte é uma ilusão. Se eu enterrar as folhas mortas aos pés das roseiras de sua mãe, como não acreditar que algo das rosas que nascerão é das rosas que se foram? Ele acreditava que renascemos, às vezes na mesma família, às vezes em outras terras,  as vezes como humanos, se necessário como animais, tudo diretamente relacionado àquilo que realizamos e àquilo que precisamos aprender.
- Você acredita nisto?
- Acho que é uma bela forma de entender a morte, meu pequeno, mas a verdade é que eu não sei. Não tenho como comprovar uma coisa destas. A Verdade é que nunca me preocupei com isto.
- Você não tem medo de morrer?
- Não. Tenho medo de uma vida sem propósito ou de uma vida na qual não consiga cumprir o propósito ao qual fui designado.
- E qual é?
- Esta conversa, meu pequeno. Esta e todas as que tivemos e as que teremos enquanto não finda meu próprio ciclo. Construir um mundo melhor que este através de um filho melhor que eu. Mesmo que não haja mansão nem novo corpo para receber minha alma quando este tombar, viverei naquilo de mim que estiver em seu coração. Viverei como parte de você, em cada fragmento de espírito que compartilhamos.

Muitos anos depois, muitos ciclos depois, carregava consigo a plena certeza da eterna presença do pai. Sempre.ouvia os ecos dos seus ensinamentos. Não temia ira das divindades, castigos, infernos, nem mesmo a inexistência. Só teve um receio em toda a vida: esquecer o rosto de seu pai. Carregou uma máxima até o fim: jamais decepcioná-lo.

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