quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

#Verborragia: Opressão

      Para entender o motivo da "Verborragia" por favor leia o início do texto "Inclusão". A palavra de hoje é "Opressão".

      Levantou tarde, como lhe era comum levantar. Comeu pouco; apenas o que lhe costumava caber. Não leu, nem brincou; não suspirou, nem chorou.

      Saiu atrasado, como era costume fazer. Uma longa jornada de labuta pesada, regada a queixas e exigências. Sobrevivia. Pausa para comer. Mais trabalho. Mais exigências.

      Terminada a jornada retornava à casa que nunca foi lar. Jantar regado a queixas e exigências. Lhe cabiam todos os deveres. Esvaiam-se direitos. Não sei se o cinza é uma coisa muito opressora ou se a Opressão é uma coisa muito cinza.

      Sem final feliz, seguia. Todos os dias iguais; todas as noites vazias.

      Era um coisa cinza rastejando num mundo cinza; Era perfeito em sua tosca harmonia com a alteridade, império da ausência de cor.

      Certa feita um acidente. Tropeçou numa cor. "Que é isso?". Não era azul, como você deve ter imaginado. Ele também não poderia tê-la nomeado, ignorante que era de qualquer tonalidade e/ou nome.

      Era algum tom mais ou menos opaco de "esperança". Não pode reconhecer. Só soube que era "não cinza".

      Seguiu. Outro dia. Outra noite. Vazio.

      Outro dia, outro tropeço, nova cor: era algo esfumaçado, quase impossível de distinguir; uma pálida variação de "promessa". 

      Novos dias e novas noites. Muito vazio.

      Acordou cedo como nunca; trabalhou sob queixas; retornou à casa; jantou sob reclamações; Uma voz enfurecida vinda de um ponto cinza escuro diluído no cinza geral do ambiente manchou todos os cantos de "Basta!". Era uma cor interessante. Não era particularmente bonita; em nada atraia; mas decidiu abraça-la; não queria mais ser cinza. Transformou o coração em paleta e ali a depositou.

      Novos dias; novas noites; Vazio e cinza em toda parte, salvo a semente de arco íris no coração.

      Depois disso vivia ralado. Tropeçava numa nova cor aqui; dava de cara com outra cor ali. Eventos nunca premeditados, como são todos os acidentes. Cores nunca procuradas e, ainda assim, sucessivamente encontradas.

      Certo dia o nome da cor foi "Eu não era assim"; uma lembrança vívida de não ter nascido cinza. Continuou sem procurar cores; procurava-se.

       Notou com o tempo que o cinza é uma coisa opressora. Cinquenta tons de "não".

      Levantou cedo e sem esforço; Comeu o que desejava; fez algumas piadas; folheou um velho livro; suspirou sentindo a brisa; vontade de chorar assistindo o milagre do sol (que nem era nascente) atravessando as nuvens.

      O fim desta história é uma incógnita. Sendo nossos olhos totalmente voltados ao cinza, tanto os dos leitores quanto os do autor, encerrou-se na cor nossa capacidade de acompanha-lo. Não sei onde foi. "Fugiu", acusou um. "Se mudou", disse outro. "Foi abduzido" caçoou um terceiro. Se foram três pessoas distintas ou três comentários da mesma pessoa eu não sei. Tudo era cinza.

      Convém que não o procuremos. Poderemos tropeçar em nossas próprias velhas cores. Ai do cinza.

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