sábado, 12 de abril de 2025

Fenda – Parte 2: O Contato

(caso você não conheça o início da história, por favor acesse Fenda - Parte 1: O Chamado)

O dia não foi dos mais produtivos: A mente não estava no mesmo local do corpo. Este na sede do seu trabalho, aquela em casa, tentando entender tudo o que estava acontecendo.

Encerrado o expediente, lançou-se ao êxodo urbano; vencida a demorada jornada até sua casa, correu para o quarto.

Instintivamente não acendeu nenhuma luz; apenas foi, encontrando um quarto iluminado pela luz que entrava pela fenda, agora com uns 60 centímetros de comprimento e, talvez, meio centímetro de largura, em seu ponto mais central e mais largo.

Era fascinante e assustador. 

"O que eu faço?"

Aproximou-se novamente, para espiar o que poderia haver do outro lado. Novamente, imagens confusas, mas havia um movimento de vultos que dava a impressão de atividade.

"Gente trabalhando?"

Recuou e sentou na cama, pensando sobre o que faria. Tudo aquilo era uma grande loucura.

"Se eu falar para alguém, irão rir de mim."

Talvez devesse mostrar, mas para quem?

A luz não variava, não cintilava, assim como o frágil calor que se percebia ao aproximar a mão ou o rosto (tempo depois se pegaria pensando: " não foi a coisa mais inteligente meter a cara tão perto daquele fenômeno").

Tinha tarefas para aquela noite: lavar a louça do café, pois saiu apressado, e concluir um curso on-line. Não fez nada. Ficou sentado, divagando sobre a imagem na parede à sua frente.

"E se...? Não. Não faz sentido. É loucura. Mas o que pode ser mais louco que uma rachadura de luz na minha parede?".

Desceu aos cômodos inferiores em busca de papel e caneta. Rabiscou um "Olá!" Em um pedaço de folha, dobrou e introduziu na fenda. (Tempos depois se pegaria pensando: "se a rachadura tivesse a espessura da parede o papel jamais teria chegado ao outro lado.").

Afastou-se e voltou a observar. Quase meia-noite; quase dormindo sentado; despertou com o susto da súbita movimentação na parede. Uma tira de papel preto, com altura pouco maior que um centímetro uns quinze centímetros de largura trazia em si, escrito em arial, caracteres brancos: "Olá. Como vai? Em que posso ajudar?".

Converteu-se em uma mistura de perplexidade, espanto e entusiasmo. Pegou o papel e iniciou o diálogo:

"Eu me chamo Noam. Estou bem, e você?'

"Eu me chamo Sofya. Estou bem também Noam."

"Achei curioso o Y. É incomum."

"Ele representa uma bifurcação, penso."

"Um caminho que se abre?"

"Um caminho que se abre."

"Para onde?"

"Nessa parte ainda não pensei."

"Você compreende o que estamos fazendo?"

"Não."

"E você acha natural essa nossa conversa?"

"Não."

"Então porque está falando comigo?"

"Porque você disse 'Olá!' Eu deveria ignorar?"

"Prefiro que não."

"Quem é você, Noam?"

"Sou só uma pessoa comum. Esse tipo de conversa é uma coisa comum para você?"

"Definitivamente não."

"O que estamos fazendo?"

"Eu já disse. Não faço ideia."

"Onde você está?"

"Defina 'onde'!"

"Como assim?"

"Defina 'onde'!"

"Ora. Onde você está? São Paulo, Brasília, Acre, Bangkok?'

"Não conheço estas palavras."

"São lugares."

"Não conheço esses lugares."

"Você sabe o que 'lugar' significa? Em que lugar você está?"

"Eu conheço o conceito, mas não há lugares aqui."

"Como isso é possível?"

"Estamos sempre em toda a parte."

"Isso não fazer sentido."

"Eu não sei o que responder. É como é. Não faz sentido não fazer sentido."

"Você está em outra dimensão?"

"Você saberia dizer qual é a sua dimensão, para eu conferir qual é a minha e, então, verificarmos se é a mesma ou não?"

Noam riu. Fazia todo o sentido. Dimensões não tem CEP. Como conferir? Como distinguir?

"Você venceu."

"Não estamos disputando."

"Eu preciso dormir?'

"Por quê?"

"É muito tarde. Estou caindo de sono."

"Defina 'sono'!"

"Você não sabe o que é sono? Estou cansado. Passei tempo demais acordado. Preciso descansar."

"Eu não entendo. Você vai embora?"

"Eu preciso parar de falar um pouco."

"Você vai voltar?"

"Eu volto. Prometo que volto."

"Eu espero. Prometo que espero."

Continua em Fenda - Parte 3: O intervalo 

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