sexta-feira, 18 de abril de 2025

Fenda - Parte 3: O intervalo

(caso você não conheça o início da história, por favor acesse Fenda Parte 1)

Noam estava tão cansado que caiu na cama com a roupa do dia e dormiu sobre a colcha. Não tomou banho, nem jantou, nem fez qualquer outra coisa. Acordou sobressaltado, com aquele sentimento de "perdi a hora!", e realmente havia perdido. Esqueceu de colocar o celular para carregar, portanto, não houve despertador.

Sobre a cômoda a sequência de bilhetes em papel preto, com o mais recente em cima: "Eu espero. Prometo que espero.".

Sentiu remorso de deixar Sofya no vazio até o fim do expediente, então escreveu rapidamente e lançou para dentro da parede, que agora era correio:

"BOM DIA. Como você está? Eu quero conversar. Quero entender. Mas estou atrasado. Tenho que ir trabalhar. Me perdoe a demora. Volto assim que possível."

"Bom dia Noam. Eu estou bem, e você? Também quero entender. Defina 'demora'!"

O dia foi muito intenso: reuniões, documentos para ajustar, relatórios para concluir. Mergulhou tanto nas atividades que terminou o dia sentindo-se culpado por não ter tido tempo de lembrar de Sofya. Uma chuva forte que ocorreu no final da tarde comprometeu o deslocamento, fazendo-o chegar em casa ainda mais tarde.

Correu para o quarto.

"Ora! 'demora' é quando o tempo ausente é maior que o aceitável."

"Eu não entendo."

"Você não se incomoda com o intervalo maior entre as mensagens?"

"Não há intervalo."

"Como assim?"

"Não há intervalo. Sua mensagem chega, eu respondo, chega outra, respondo, e assim seguimos."

"Você tem minhas mensagens aí?"

"Sim."

"Tem aquela que eu disse que voltava?"

"Sim."

"Percebe que o tempo entre ela e a de 'Bom dia' é diferente do tempo entre essas que estamos trocando agora?"

"Não."

Ela não sabia o que dizer; não sabia o que pensar. "Quem é ela? Onde está? Não há tempo lá? Ou é a fenda que altera a relação do tempo entre eles?" (tempos depois se pegaria pensando que deveria ter explorado mais esses conceitos com a própria Sofya).

"Quem é você?"

"Eu já disse: Sou Sofya!"

"O que você faz aí, Sofya?"

"Eu existo!"

"Como são as pessoas por aí?"

"Defina "como'!"

"Seus aspectos."

"Não há aspecto."

"Suas formas."

"Não há forma."

"Como você sabe onde acaba Sofya e onde começa a pessoa adjacente?"

"Nos confundimos e fundimos no que temos de semelhante. Nos individualizamos naquilo que temos de idiossincrásico."

Escolha peculiar de palavras. 

"Há outros como você?"

"Infinitos."

"Mostrou nossa conversa para alguém?"

"Não."

"Por quê?"

"Se eu falasse, ririam. Para todos os efeitos, não é possível você existir. tenho medo."

"De mim?"

"Não."

"De quê?"

"De você ser um defeito em mim e decidirem me concertar."

Continua em Fenda - Parte 4: Rasgado

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