Algo rasgou sua calça e o arranhou na batata da perna direita. A dor, equivalente
à de um tiro de raspão, levou-o a emitir um gemido abafado. Os eventos que se
seguiram o fizeram desejar profundamente que fossem disparos de armas, mas não
eram. Sua expressão de dor foi abafada - insuficientemente, diga-se – por um
receio inconsciente de chamar a atenção, mas chamou. Imediatamente sentiu algo
agarrando-o no calcanhar da perna esquerda. O desespero impedia qualquer raciocínio,
ainda mais na ausência de algo para segurar. Não era possível identificar se eram
mãos ou garras, mas eram fortes, pois começaram a arrastá-lo para o lado –
suspeitou que fosse para o Oeste – com força suficiente para suspender do solo
metade do seu corpo, deixando-o na diagonal, com ombros, braços e cabeça ao chão.
Outros cortes começaram a ocorrer em suas pernas e costas, no sentido de seus pés.
Sentia trancos ao ser arrastado, além de ouvir alguns urros baixos.
Imaginou que corpos se chocavam com violência, provavelmente pela lentidão daquilo que o arrastava em relação ao fluxo dos demais. Caiu no chão de barriga com um baque surdo. Imaginou que o raptor havia desistido.
Imaginou que corpos se chocavam com violência, provavelmente pela lentidão daquilo que o arrastava em relação ao fluxo dos demais. Caiu no chão de barriga com um baque surdo. Imaginou que o raptor havia desistido.
- Muito bom. Estou muito satisfeito com nossos avanços!
Ouvi falar muito perto. Reconhecia a voz, mas não era Valdomiro.
- O que está procurando aí?
Um último corte em suas costas aradas interrompeu as frases, deixando-o
quase satisfeito com a dor. “Antes sofrimento que loucura!” foi seu raciocínio.
O movimento no ar ao redor foi diminuindo. Ouvia um silvo aqui, outro ali. “Retardatários,
provavelmente!”. Não era possível mensurar quanto tempo durou todo aquele
evento, tampouco quanto tempo permaneceu em silêncio, temendo algo mais
escondido nas trevas. Sentia as roupas molhadas pelo sangue que vertia. Respirava
pesadamente, exausto e com dor. Percebeu os olhos fechando, se esforçou para
ficar acordado. Não sabia se estava cochilando ou morrendo. Não sabia se estava
sangrando ou nadando. Ignorava se estava deitado ou em pé. A plenitude do negro
ao redor oprimia sua mente, fazendo-o sentir como se mãos imensas envolvessem
sua cabeça a comprimi-la.
- Está aí?
Abriu os olhos à interrogação distante de Valdomiro, mas logo começaram a
fechar novamente. Num último ímpeto de vontade, respondeu fracamente:
- Estou aqui. Tenho quase certeza de que estou aqui!
Seus olhos fecharam, revelando um fenômeno inverso ao natural. Estamos
habituados a perceber formas e imagens quando os temos abertos, imagens estas
que são substituídas por cinzas e trevas quando os fechamos. Naquele mundo
negro, o fechar dos olhos descortinou uma luminosidade distante, como se retornasse
ao mundo pálido do último entardecer. O toque da rocha sob seu corpo enfraqueceu.
Por alguns segundos sentiu-se sem peso, em seguida a sensação de estar deitado
com a barriga no chão foi substituída pela nítida certeza de que estava com a
barriga em algum tipo de teto, o qual rapidamente se afastou, como se ele começasse
a cair para algum abismo às suas costas. Seus labirintos indicavam queda em
alta velocidade, mas atingiu suavemente algo macio, com se fosse ali colocado.
Piscava freneticamente, tentando encontrar sentido na confusão cinza de luz e
sombra que seus olhos apresentavam. No último fechar e abrir de olhos todo o
cinza sumiu e toda a cor se apresentou, revelando nitidamente o amplo sorrido
abeto atrás da espessa barba do Dr. Willian.
- Muito bom. Estou muito satisfeito com nossos avanços! Disse o médico.
Ignorando-o, Marcus tentou se mover para examinar suas pernas e costas,
mas estava amarrado com faixas de couro, semelhante a cintos, em seus pulsos,
calcanhares e cintura. Conseguia apenas erguer a cabeça, enxergando pouca coisa
do próprio corpo.
- O que está procurando aí?
Continua em #Vazio - Outra Manhã (15)
Nenhum comentário:
Postar um comentário