sexta-feira, 25 de novembro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (15)

Jogou a cabeça para trás, afundando-a no travesseiro espesso. De alguma forma sentia-se enfurecido contra aquela sala e aquele médico, pois autenticavam sua loucura. Percebeu que não interessaria qualquer discussão sobre a realidade de um mundo e a falsidade do outro, tampouco a capacidade de identificar qual das duas realidades era, de fato, Real, estava enlouquecendo, afinal, um dos mundos não deveria estar lá. O médico fez alguns comentários sobre seu estado clínico, mas foi ignorado. Percebendo que falava sozinho, decidiu sair, dando ao homem da cama tempo para refletir e compreender onde estava. Poucos instantes depois a enfermeira entrou no quarto, com expressão contrariada. Começou a desafivelar as tiras de couro, resmungando algo contra o médico. Saiu rapidamente da sala.

Mesmo livre, Marcus não se levantou, não desejava se mover. Não queria interagir com aquele mundo que lhe era estranho, em detrimento do deserto, tão familiar. Moveu a cabeça apenas para verificar o horário, percebendo que eram sete e meia da manhã. Sentia dores musculares, como se tivesse feito grande esforço, além de ardência nas costas e pernas. Respirou fundo algumas vezes, tentando organizar seus pensamentos. Não se lembrava se tinha o hábito de fumar, mas sabia ter lido em algum lugar que “a fumaça soprada limpa sua mente das sombras interiores”. Apesar da ausência da fumaça, respirou fundo uma última vez, como se tragasse todo o Universo esperando dele receber auxílio ou resposta, então sentou em seu leito. Depois jogou as pernas para a esquerda e levantou sem grande dificuldade, caminhou até a janela e assistiu lá em baixo a correria da cidade que nunca dormia, totalmente muda, dada a espessura do vidro que dela o separava.
Na ausência de um colo, repousou a testa na barreira translúcida e fechou os olhos, desejando o conforto do pranto. Nenhuma lágrima veio. Ficou ali, imóvel, esperando que das trevas de seus olhos fechados renascessem mar, muralha e vendaval. Nada! Apenas o negro tingido pelo vermelho oferecido pela luz que atravessava o sangue de suas pálpebras. Percebeu que jamais havia vivenciado trevas como as do nevoeiro da noite no deserto, pois mesmo quando fechava os olhos à noite, em seu quarto com luzes apagadas, traços multicoloridos dançavam à sua frente, como se a luz da vigília tivesse manchado seus olhos invariavelmente. Abriu os olhos e pensou que a luz daquele mundo era mais angustiante que as trevas do deserto. A agonia frente à possibilidade de perder sanidade e identidade foi maior que o terror que sentiu enquanto era arrastado. Teve curiosidade de conferir seu corpo, em busca de cicatrizes daquela experiência, mas o receio de comprovar sua loucura o fez hesitar! A ardência nas costas e pernas era facilmente associável aos cortes feitos enquanto era arrastado, mas sua mente se fixou mesmo foi na conversa com Valdomiro sobre a ilusão do deserto! Quase pode reviver a dor do corte no pulso. Ouviu as batidas na porta e o rangido da mesma se abrindo. Não se virou, mas adivinhava tratar-se do Dr. Willian.
- Como estamos indo? Perguntou o médico.
- Como me explica ISTO? Retrucou o cético da janela, virando-se bruscamente, enquanto arregaçava uma das mangas e apresentava, ao lado do pulso, o sangue seco de um corte de 7 centímetros.

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