Uma suave garoa caia sobre o imóvel observador que, do alto do prédio, imaginava o poente que as nuvens tornavam invisível.
A água era muito bem-vinda, sobretudo em um fim de tarde quente como aquele.
O prédio tinha uma área comum ali onde seria a cobertura, mas era pouco utilizada, dada a faixa etária avançada da maioria dos moradores e a ausência de elevadores. Não era dos mais altos, mas estava posicionado no alto de um aclive, assim, ao menos para o Oeste, oferecia uma vista privilegiada.
As nuvens não eram pesadas, assim, dispersavam a luz do sol com tanta força que não seria difícil inferir que havia mais claridade que em um dia sem nuvens. Estava bonito de ver: toda aquela luz passeando pelo mundo, ao mesmo tempo que a garoa removia nitidez do que estava mais distante. Se não fosse um quadro, deveria ser um sonho.
"Que dia insuportável!", pensou Camila, enquanto caminhava até a janela de seu apartamento. O dia foi demasiadamente quente, destes que nos faz desejar o mar, mas era dia útil e ela trabalhou em casa, conforme o cronograma que dividia sua equipe.
"No escritório eu pelo menos teria o ar-condicionado!". Seu ventilador não foi suficiente contra a onda de calor daquela semana. Na janela, em busca de alguma brisa, os olhos, fixados em uma tela por quase oito horas, demoraram para aceitar a claridade. "Que luz insuportável!", teriam dito, se falassem.
Quando o mundo ficou visível a janela, que dava para norte, lhe apresentou o pequeno prédio que lhe era adjacente, cercado de altas torres por quase todos os lados. Uma figura debruçada no parapeito de um playground improvisado e negligenciado olhava sei lá o que. Camila se esticou para alcançar a visão do oeste, mas não havia pôr do Sol. Debruçou-se eu seu próprio parapeito e observou o observador, ambos imóveis.
Uma súbita mudança na direção do vento, decidido a desbravar o Sul, lançou a garoa no rosto da moça. Aquilo pareceu suportável, então, ela continuou imóvel. "O que ele está vendo? Em que está pensando?".
Não era possível estimar a idade, tampouco distinguir as feições do rosto, mas era possível capturar um ar de serenidade. Observa-lo, ele mesmo mergulhado em sabe-se lá que "transcendentalidade", era transcendental. A luz do mundo e o carinho da garoa completavam a experiência.
Ele se colocou em movimento de forma muito súbita, como quem termina uma prece e simplesmente retoma a rotina, sem avisar que o faria. Por obra do acaso se virou para a esquerda, embora a escada estivesse à direita. Seu movimento colocou a moça em movimento, como quando se está em uma festa é, subitamente, a pessoa que você fitava vem a te olhar. Foi o que ocorreu. Passando o olhar pelo paredão e emaranhado de janelas à sua direita ele percebeu, alguns andares acima, uma figura feminina observando-o. Não era possível distinguir a idade ou as feições, mas havia uma aura de serenidade. Sorriram um para o outro, ainda que os lábios fossem pouco visíveis. Não satisfeito, ele acenou; ela respondeu. Ele virou para trás e desapareceu na portinha que dava acesso as escadas.
Ela voltou para sua mesa. Estava escrevendo um texto no qual, em certa altura, precisou empregar o verbete "inércia". Insegura se havia utilizado com o sentido adequado, a última aba de seu navegador exibia sua pesquisa: inércia é a tendência de um corpo em repouso de permanecer em repouso até que uma força externa o coloque em movimento, ou a tendência de um corpo em movimento de permanecer naquela velocidade e direção até que uma força externa altere essa força e/ou direção (ou o coloque em repouso).
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