Valdomiro havia removido o canivete da ponta do cabo para a limpeza do
peixe. Com o objeto na mão, com se fosse uma faca, apontou para Marcus dizendo:
- Sabe, Rapaz? Eu pensei exatamente a mesma coisa, no primeiro dia aqui.
Em um dia eu desci e subi a estrada por onde você veio e a única coisa que vi
foi morte. Depois eu fui “berando” esta praia pra lá (apontou para o sul) por
uns dez dias, sem achar nada. Então voltei pra cá!
- E para o Norte? Questionou Marcus apontando o lado oposto. E para o
Leste?
- Não vi qualquer razão em ir pra lá. Disse com um movimento do rosto,
apontando para o norte com o queixo; depois mostrou o leste com o dedão para
trás do corpo (estava de costas para a água); não nado tão bem para ir por aí,
se você quer saber? Aqui é legal. Não faz tanto frio à noite e o Sol ainda não
me deixou vermelho.
De fato, Marcus notou que algo no Sol parecia ter enfraquecido, como se
até parte dos raios solares tivessem sido levados para o Oeste. Era quente, mas
não chegava a queimar a pele.
- Pois se é para o Oeste que o Vento nos empurra, penso que é para o
Leste que devemos seguir. Se não o Leste, para algum lugar. Não perdemos nada
indo, nem ganhamos nada ficando aqui.
Recuperando tanto o animo quanto o humor, Valdomiro fez sua última
pergunta:
- E quem guardará a muralha?
- Olhe à sua volta. Poderemos caminhar por meses sem que você saia da
muralha. Você ainda será o guardião! Decretou Marcus, começando a se habituar
com as sutilezas cômicas do homem da lança.
Valdomiro se abaixou, posicionou o canivete na ponta do cabo de vassoura
e com o cadarço o amarrou firmemente. Levantou-se com ar solene, como se fosse
iniciar algo muito importante e disse:
- Estou pronto!
Como em dez dias de caminhada Valdomiro nada havia encontrado ao sul,
decidiram ir para o norte. Mergulhar no deserto do Oeste seria uma loucura
ainda maior que lançarem-se no doce oceano do Leste. Permanecer na estrada, por
outro lado, seria garantia de água, comida e orientação. Decido o caminho, eles
apenas se levantaram e partiram, pois nada havia para arrumar, guardar ou
levar. Para trás ficou apenas a pequena abóbada de argila e a chave apontando
para o céu, não que qualquer um deles a tivesse esquecido, mas porque no íntimo
de ambos ela deveria permanecer ali, como um marco do que estavam a começar,
seja lá o que fosse.
Continua em #Vazio - Outra Manhã (12)
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