Com um salto pra trás, enfiando-se na água até a cintura, protestou:
- O que é isto? Você enlouqueceu?
- Você tinha tanta certeza de que tudo aqui é um sonho que pensei que um beliscão
não bastaria! E riu com uma mão na barriga como se fosse o maior, se não o último,
comediante do planeta.
Ignorando qualquer possibilidade de graça naquela situação e decidido a
abandonar imediatamente o homem da “lança”, Marcus pôs-se a caminhar para no
Norte, andando paralelamente à estrada, ainda com os pés na água e os sapatos
nas mãos. Tomando consciência de que sua ação não foi nada bem vinda, chamou:
- Ei rapaz. Não se vá. Sabe, nem sempre tenho com quem conversar! Acho
que perdi o jeito. Chegue aqui! Quero te mostrar uma coisa!
Marcus temia algum novo golpe, motivado pela loucura do homem, mas ficou
curioso, menos pelo “quero te mostrar uma coisa” que pelo “nem sempre tenho com
quem conversar”. Parou, respirou fundo, saiu da água e voltou descalço até o
local onde o homem estava. O solo ali era argiloso e macio, acariciando seus pés
cansados. O homem da lança esticou as mãos e disse:
- Muito prazer, sou Valdomiro, Guardião da Muralha do Deserto! Soou tão
pomposo que Marcus quase acreditou que tal cargo existia. A solenidade foi
quebrada por uma nova gargalhada de Valdomiro, que ao retomar o fôlego
explicou:
- Calma, meu rapaz. Ainda não estou louco, por mais que o Sol e o Vento
tentem. Olhou para o céu e sacudiu os punhos, em desafio. Bem aí à sua frente,
onde agora você só vê água, ficava o Residêncial Village, no qual eu era
porteiro. Como o Vento levou meu emprego, decidi providenciar outro, o que
acha?
- Mas se você mesmo diz que não tem com quem falar, o que guarda, senhor
Guardião da Muralha?
- A ocasião faz o ladrão e no meu pedaço não vai ter ladrão não senhor. Melhor
guardar agora do que descobrir tarde demais que deveria ter guardado.
Desta vez quem riu foi Marcus. Sem qualquer ironia. Riu inocentemente,
como uma criança frente a um palhaço. O homem da lança não se incomodou. O
senso de humor sempre fora sua maior qualidade.
- Rápido, venha ver. Está quase na hora.
Marcus atendeu ao chamado, seguindo o homem da lança. Este se agachou próximo
à um objeto na beira do caminho, cuidadosamente postado para não lhe fazer
sombra. Marcus se colocou ao seu lado e viu uma formação arredondada, de uns 30
centímetros de altura e 60 de diâmetro, provavelmente feita pelo próprio guardião
com argila. Bem no centro estava espetada a parte metálica de uma velha chave
de fenda, levemente enferrujada, apontando para o infinito no céu.
- Está quase na hora. Disse Valdomiro, apontando para a sombra do metal, prestes
à desaparecer com o Sol bem no meio do céu.
Continua em #Vazio - Outra Manhã (9)
Nenhum comentário:
Postar um comentário