quinta-feira, 13 de outubro de 2011

#Vazio - Outra Manhã (3)


- Não sou seu amigo! Estou falando com um estranho em um lugar estranho! Não espere paciência de minha parte!
- De modo algum somos estranhos! Você me conhece muito bem e já conversamos muito sobre muita coisa. Mas como não sou eu o foco principal desta conversa, diga-me, quem é você?
A pergunta veio como um raio partindo em duas partes a cabeça do homem da cama. Tinha lembranças nítidas de toda a tarde no hospital e do dia anterior, no deserto. Lembrava, sobretudo, de ter acordado, na manhã anterior e percebido que estava só no quarto. Procurava por alguém e chamou esta pessoa, mas ninguém respondeu. Perturbou-lhe perceber que não lembrava por qual nome chamou. Aniquilou-o descobrir que não recordava o próprio nome. Olhou para o homem de barba, quase pedindo socorro. Um “QUEM SOU EU?” silencioso. Adivinhando a questão do paciente mas indiferente à sua agonia, seguiu com o inquérito:
- Você sabe ao menos como chegou aqui, ou por que?
O homem da cama olhava para baixo, na direção do lençol sobre suas pernas, mas na verdade era para seu espírito que olhava, em busca de alguma lembrança que solucionasse as perguntas do médico e as suas próprias. Nada encontrou. Procurando reorganizar-se, questionou:
- Pode me dizer meu nome? Tudo se foi.
- Posso! Afirmou o homem da barba, e acrescentou. Posso, mas não vou! Por favor, me compreenda. Estamos aqui em uma situação muito delicada. Você apresenta este quadro de perda de memória desde que chegou aqui. Prefiro não te dizer seu nome, pois eu não quero que você APRENDA quem você é. Meu desejo é que você RECORDE!
O homem que viu o mundo ser soprado para o Oeste numa manhã e ser reconstruído à partir de uma pequena lanterna nas mãos de desconhecido barbudo não sabia mais o que pensar. Sofrera um acidente seguido de amnésia? Estaria morto, falando com algum tipo de espírito ou até mesmo Deus? Sendo um homem cético, duvidou da segunda hipótese, pensou que seria cômico efetuar um questionamento deste tipo, assim, optou pelo trivial:
- Isto aqui é um hospital? Você é médico? Qual o seu nome? Por que não usa crachá?
Sorrindo, respondeu o homem de branco:
- Esta é nossa quarta conversa, pois apenas quatro vezes te vi acordado. Nesta tarde você abriu os olhos pela primeira vez em quinze dias. Da mesma forma que não te disse seu nome também prefiro não dizer o meu. Tenho esperança que recorde de nossos encontros anteriores, no lugar de me conhecer de novo agora. Se me permite adiantar o assunto, eu sei para onde esta conversa nos levará, assim, algumas perguntas que você já me fez eu prefiro responder de imediato, para não desperdiçarmos tempo caminhado por onde já fomos. Eu não sou Deus, tampouco um espírito. Você não está morto. Este hospital é tão real quanto qualquer outra coisa que você tenha tocado em sua vida e o meu crachá ficou na gaveta, para que você não viesse a ler meu nome.

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