Permaneceu sentado por alguns minutos, refletindo sobre a situação. Movia
o olhar para todos os lados, apreendendo os detalhes do ambiente. Detalhes
demais. Não havia vento, mas percebia o calor do sol, o movimento do ar até
seus pulmões, a textura de suas calças (enquanto se debruçava sobre os joelhos).
Levantou e foi novamente até o corpo, seco e sem odor. Examinou sem tocar, em
busca de uma bolsa ou algum volume que evidenciasse uma carteira. Nada! Não
seria possível obter qualquer informação sobre aquela pessoa. Pendurado no
pescoço do corpo, mas voltado às costas, não ao peito, havia uma pequena placa
de metal, destas que se vê em soldados. Chegou mais perto para ver se poderia
ler algo, mas apesar do imenso brilho da peça (parecia perfeitamente polida,
sem qualquer evidência da passagem do tempo, como se observava no restante do
corpo), nada estava escrito. Tomado pela raiva de retornar àquele lugar e sem
qualquer compreensão do motivo, lançou bruscamente a perna em direção ao corpo,
mas deteve-se antes de atingir o alvo. De algum modo sentiu que não seria justo
destruir aquele corpo, símbolo da luta pelo direito de continuar existindo.
Relutou em seguir sua peregrinação, temendo ser aquele corpo o último
vestígio de qualquer humanidade. Ainda assim, seguiu pelas tortuosas vias que
contornavam a montanha, subindo-a suavemente. Enquanto caminhava refletia sobre
tudo aquilo. Não conseguia compreender como uma ilusão poderia ser tão realista
“Só pode ser loucura”, repetia. Perguntava-se se enquanto caminhava por ali o
seu corpo não andava pelo quarto do hospital ou se permanecia deitado na cama?
Ensaiou gritar pelo Dr. Willian, mas teve vergonha de gritar “Que absurdo! Estou
em um deserto!”. Perdido nesta confusão de pensamentos e andando à esmo quase não
viu uma curiosa formação asfaltica à sua frente. Algo simples, mas decisivo:
dois pequenos blocos de asfalto antigo, lado a lado, no exato formato de duas
pegadas, exatamente como as pegadas deixadas por ele mesmo no dia do vendaval. “Não
estou só!”. Não tendo encontrado ninguém em seu caminho montanha acima, deduziu
que este suposto outro também tivesse seguido para o alto, assim, apertou seu
passo, na esperança de alcançá-lo.
Pelo seu tempo de caminhada julgava ter andado uns 15 quilômetros e subido mais de 700 metros, quando finalmente atingiu o ápice. A
estrada pela qual andava atingiu em ângulo agudo uma segunda, a qual se
estendida em linha reta do norte ao sul daquela formação montanhosa, reforçando
seu aspecto de muralha. A margem leste da estrada era desconcertante. A poucos centímetros
de transbordar, uma massa d’água descomunal seguia solenemente para o norte, leste e sul, como um imenso oceano, sem qualquer possibilidade de se enxergar
seu termo. A montanha na qual estava realizava o papel de barragem, pois aquele
volume incomensurável de água destruiria tudo o que encontrasse no deserto,
centenas de metros abaixo. A absoluta estática do ar era ainda mais marcante ao
se olhar para a água, totalmente imóvel, lisa como o mais fino cristal. O azul
do céu se refletia inalterado naquele imenso espelho, tão perfeitamente imóvel
que parecia pecado tocá-lo. Ainda assim o homem o tocou, totalmente consumido
pela sede, na esperança de que não fosse água salgada. Não era. Julgou-se capaz
de beber 10 oceanos como aquele. Com a barriga pesada de água, sentou-se no
asfalto, mergulhando os pés já descalços naquela água bem vinda. Só então
percebeu como estavam ardendo e como lhes fazia bem o toque gelado daquela água.
Com o Sol exatamente sobre sua cabeça, começou a se perguntar para qual lado
seguiria na estrada. Seu real desejo era seguir para o leste, mar adentro, mas
como fazê-lo?
Não teve muito tempo para pensar, pois algo nitidamente afiado tocou-lhe
a nuca, mas sem penetrá-la. Era difícil saber o que era mais gelado, o toque do
metal prestes a tirar-lhe a vida, ou o terror de ignorar seu destino. Uma voz
rouca e sem sentimento quebrou aquele pequeno momento de eternidade:
- Quem é você e por que está me seguindo? O que quer aqui? Das suas
respostas depende a sua vida, rapaz!
Continua em #Vazio - Outra Manhã (7)
Comecei a ler hoje e estou gostando muito!!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado Joelma!
ExcluirNão deixe de apresentar suas impressões conforme seguir com a leitura!
Que a Força esteja com você!